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Análise – Os caprichos do voto popular

Eleições são caprichosas. As pesquisas ora acertam, ora erram. Há votações que mudam o curso da conjuntura no país e podem mudar a história. São eleições críticas. Equador e Polônia acabam de ter as suas. A Argentina a visitará no domingo próximo

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#INTERNACIONAL18 de out. de 2311 min de leitura
Javier Milei em campanha para as primárias na Argentina, no último sete de agosto. Foto: Luis Robayo/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias18 de out. de 2311 min de leitura

Eleições são caprichosas. Ora o voto se torna instrumento de mudança, ora mantém o statu quo. Ora a manipulação digital de um candidato, em geral apoiado em fake news e falácias conduz o eleitor, ora o eleitor descarta a mentira digital e se volta contra o manipulador. O eleitor é diverso e multidão. Não raro surpreende analistas e pesquisadores de opinião. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas primárias argentinas, as PASO, das quais saiu vencedor Javier Milei e as pesquisas não o captaram. Agora, algumas pesquisas o vêem como o favorito no primeiro turno no domingo próximo, outras dizem que não chegará ao segundo turno. Só as urnas tirarão a teima.

As pesquisas viram, com precisão, contudo, o favoritismo de Daniel Noboa, no Equador, agora o mais jovem presidente eleito do país. Milionário, aos 35 anos, conseguiu a presidência de primeira, feito que seu pai não conseguiu em cinco tentativas. Na Polônia, as pesquisas também conseguiram prever a derrota do PiS, Lei e Justiça, o partido de Andrezj Duda. Embora tenha ficado com o maior número de cadeiras, perdeu a maioria e a capacidade de formar o próximo governo. Duda terá que coabitar o poder com um primeiro-ministro de oposição. 

As três eleições apontam na direção de mudanças significativas. Se elas virão, é outro departamento, governado pelos Legislativos e pela dinâmica política na relação Executivo-Legislativo. Depende da capacidade de tecer e manter alianças para assegurar a governabilidade com governos de coalizão. Na Argentina, com Milei, um governo de coalizão parece improvável. No Equador, além de ser o único caminho, Noboa não fez uma campanha de ataque, mas de promessa de mudança. Tem condições de negociar com todos os lados. Na Polônia, é a única via possível, e parece provável que sucederá com a oposição. O governo não tem espaço para obter a maioria na nova composição do parlamento.

O voto contra

A vitória de Daniel Noboa foi, antes de tudo, uma derrota para Rafael Correa, o patrocinador da candidata Luisa González, que ficou em segundo lugar. Noboa é, em princípio, um liberal-conservador, mas nunca se sabe o efeito que a cadeira presidencial terá no eleito e que alinhamentos ele buscará na América do Sul e no mundo. Embora apoiado em uma legenda de centro-direita, ele tem se declarado de centro-esquerda. É uma boa pista para o arco de partidos que tentará trazer para sua coalizão.

Foi uma eleição dominada pela violência, com o assassinato do candidato Fernando Villavicencio, aparentemente pelo narcotráfico, mas que a direita e a centro-direita dizem ter favorecido o grupo de Rafael Correa. Quando parlamentar, Villavicencio denunciava ligação entre as facções criminosas do Equador e o grupo político do ex-presidente Rafael Correa. Noboa herdou os votos que iriam para Villavicencio. O Equador é mais um país na América Latina, de uma lista crescente, a ser devastado pela força adquirida pelo narcotráfico e pelo crime organizado.

Daniel Noboa, agora presidente eleito do Equador pelo Partido de Ação Democrática Nacional, discursa vestindo colete à prova de balas em comício de campanha no Centro Esportivo Benjamin Carrion em Salinas, Equador, em 25 de agosto. Foto: Marcos Pin/AFP

Noboa ainda terá que demonstrar que pode mudar alguma coisa no país. Ele terá um mandato curto, do próximo dezembro, quando tomará posse e dezembro de 2025. Está completando o mandato do presidente Guillermo Lasso que, para se livrar do segundo pedido de impeachment, dissolveu o Congresso, convocando eleições gerais antecipadas e ao fazê-lo perdeu o mandato. Para ter sucesso, o jovem presidente terá que costurar as alianças que lhe garantam a governabilidade.

É o dilema típico do presidencialismo de coalizão: presidente minoritário, Legislativo fragmentado, partidos relativamente fracos. O campo de coalizões é limitado. Noboa tem sido aconselhado por alguns a se aliar com o partido de Correa, que tem a maior bancada. Mas ele foi eleito por um voto explicitamente “anticorreista” e pelas regiões da Serra e da Amazônia, onde as lideranças políticas são fracas.

Como em todo país em crise, o novo governo é destinatário de demandas que formam uma agenda impossível, ainda mais com apenas dois anos de mandato. Noboa terá que dar prioridade ao tema da segurança, maior preocupação da população, e da economia, com problemas fiscais e de geração de empregos. Em tempos como o que vivemos, já é uma agenda muito desafiadora. Ele estaria inclinado a consultar a população sobre os principais pontos de seu programa.

A via plebiscitária, para desviar do Legislativo ou pressioná-lo, nunca é o melhor caminho para a governabilidade democrática. Ela pode funcionar para um governo que tem a maioria parlamentar e quer legitimar suas políticas mais transformadoras junto à população.

Concretamente, o partido do presidente eleito tem 14 cadeiras na Assembleia Nacional. Só há um caminho para formar uma coalizão, aliar-se ao movimento Construye, de centro-esquerda, e ao Partido Social Cristão, PSC, de centro-direita, para chegar à maioria de 70 votos que lhe permitiria aprovar suas propostas de políticas. Precisará dos dois.

Não será uma negociação fácil, nem uma coalizão homogênea nos valores e nas políticas, talvez exceto com relação à crise de segurança. Sua própria legenda, que ainda não tem registro como partido, não é um agrupamento homogêneo.

Se não conseguir formar uma coalizão, terá que negociar voto a voto, caso a caso, individualmente com parlamentares de todas as forças. Além de improdutivo é desgastante. Apoiar-se em maiorias ocasionais gera instabilidade e mina a governabilidade.

Uma coalizão com o partido Revolución Ciudadana, de Rafael Correa, provavelmente o afastaria de sua base eleitoral e o enfraqueceria irremediavelmente.

O voto contra, pela democracia

Na Polônia, o presidente Andrezj Duda terá que aceitar a coabitação com um primeiro-ministro saído da oposição. A Coalizão Cívica, liderada pelo ex-presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, um partido de centro liberal, em aliança com o partido Terceira Via, de centro direita, e a Nova Esquerda obteve a maioria no parlamento e é a única coalizão capaz de formar um novo governo. Essa correlação de forças nasceu do voto contra Duda e seu projeto autocrático. Embora o partido oficial tenha conquistado a maior bancada, perdeu a maioria.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, chega para a 4ª Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo do Conselho da Europa, em Reykjavik, Islândia, em 16 de maio. Foto: John Macdougall/AFP

O novo governo, provavelmente com Tusk como primeiro-ministro, será o oposto às convicções de Duda: pró-Europa, a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, defensor dos direitos LGBTQIA+  e mais humanitário em relação à regulação da imigração. A aliança de oposição promete, como prioridade, revogar as reformas que fragilizaram a democracia polonesa.

O voto da maioria foi inequivocamente para tirar do poder o partido de Duda, Lei e Justiça, e a dupla liderança, dele e de Jarosław Kaczyński, líder do PiS, ambos de extrema-direita e ultranacionalistas. Duda não entregará o poder com facilidade. Apesar de ter prometido dar ao setor com maioria a primazia de tentar formar o governo.

Vai dar à maior bancada a impossível tarefa de formar o novo governo. O setor que poderia lhe dar a maioria, o Partido dos Camponeses, que já foi seu aliado, é parte da coalizão Terceira Via e já declarou que não apoiará o partido de Duda e do atual primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki.

Com o fracasso de Kaczyński, Duda terá que dar a chance de formar o governo à segunda maior bancada, a Coalizão Cívica, de Donald Tusk. A correlação de forças garante esta via. O PiS perdeu 41 cadeiras, mesmo mantendo a maior bancada, e ficará com 194. A Coalizão Cívica terá 157, a Terceira Via, 65 e a nova esquerda, 26. O partido de ultradireita Confederação obteve 18 cadeiras. 

O comparecimento foi muito alto para os padrões europeus, 74,4% no geral e 85%, em Varsóvia, demonstrando o empenho em derrotar o governo autoritário de Duda. A vitória do autodenominado “campo democrático”, representará uma mudança muito significativa na política interna e externa da Polônia. Duda estava se afastando da União Europeia e se aproximando cada vez mais da Rússia de Vladimir Putin. Tusk e as lideranças da coalizão vitoriosa já afirmaram que sua primeira ação será a reaproximação e alinhamento com a Europa. Além disso, prometem restaurar a democracia, revogando as reformas que Duda implantou transformando-a numa autocracia. Contudo, reconhecem que, se Duda vetar essas decisões, não terão a maioria qualificada necessária para derrubar o veto.

Por outro lado, Duda, acostumado a ter um primeiro-ministro teleguiado, terá que conviver com um chefe de governo de oposição, que fará de tudo para reconduzir a Polônia à democracia.  

Maioria talvez vote dane-se tudo

Na Argentina, no próximo domingo, o grande risco é que a maioria dê um voto desesperado, um “dane-se tudo para ver se melhora depois”. É a opção por Javier Milei. Ele se define como anarco-capitalista, um libertário de direita. Terá inevitável minoria no Congresso. Promete governar por plebiscito, um caminho autoritário, de alto risco e sem volta. O dane-se tudo pode se transformar em um colapso social e econômico, com grave instabilidade política. Um dos cenários desse quadro de crise crônica que se torna hiperaguda é de convulsão social e violência. 

O voto de primeiro turno será no próximo domingo, 22/10. As pesquisas continuam não convergindo. Embora a maioria preveja um segundo turno entre Milei e Sergio Massa, o candidato governista e atual ministro da Economia. Há, porém, pesquisas dizendo que Milei sequer irá para o segundo turno.

Nenhuma pesquisa aponta a possibilidade de Milei ganhar no primeiro turno. Para que isto ocorra é preciso que o candidato obtenha 45% dos votos ou 40% e uma diferença mínima de 10% em relação aos demais. Duas pesquisas o põem na casa de 40%, mas com uma diferença inferior a 5% em relação a Massa.

O maior número de pesquisas aponta, como disse, um segundo turno entre Milei e Massa. Patrícia Bullrich ficaria em um distante terceiro lugar. Há, contudo, pesquisas que dão um segundo turno entre Massa e Bullrich, com Milei perdendo grande parte do voto que obteve nas PASO, as primárias argentinas, das quais saiu em primeiro lugar, com 30% dos votos.

Da esquerda para a direita: Javier Milei, Patricia Bullrich e Sergio Massa, três candidatos que disputarão as eleições presidenciais na Argentina. Foto: AFP

Alguns poucos analistas dizem que a decisão no primeiro turno está por poucos pontos. Outros, não vêem possibilidade de que um candidato consiga chegar ao patamar que lhe garantiria a vitória no primeiro turno.

Há pesquisadores dizendo que o voto de Milei estacionou na casa dos 35% e que este seria seu teto. Há outros prevendo o revigoramento da candidatura de Patricia Bullrich. Há resultados que apontam um forte crescimento de Massa ao longo da campanha. É paradoxal, diante do agravamento diário da crise econômica argentina sob seu comando. Mas não é impossível, diante da força que o justicialismo tem mostrado historicamente.

Todavia, o partido Justicialista nem sempre é ganhador. No passado, nas crises econômicas, perdeu para a hoje anêmica Unión Cívica Radical e, mais recentemente, para Mauricio Macri. Macri foi derrotado também pela crise econômica. É difícil imaginar que a crise de agora, muito grave, permitirá a vitória de Massa. Se ele for para o segundo turno com Milei, a questão será qual dos dois herdará a maior parte dos votos de Bullrich.

Tanto Massa, quanto Bullrich, a candidata do ex-presidente Mauricio Macri, fazem campanha para aumentar o comparecimento. Na verdade, estão conclamando os eleitores mais velhos a votar para derrotar Milei. Este, tem sua maior base de apoio entre os jovens. Mas, nada garante que os eleitores de mais idade também se mostrem desalentados com a situação.

As amostras das pesquisas de opinião não conseguiram alcançar a juventude digitalizada que votou em Milei nas PASO. Sua campanha é quase toda digital. Os comícios são apenas para mobilizar e excitar sua militância. A preferência por Milei pode estar subestimada novamente. Ou, as pesquisas conseguiram ajustar suas amostras e estão mais precisas. A multiplicidade de resultados entre as 10 principais não sustenta muito esta última hipótese. Só as urnas dirão.

O voto é mesmo caprichoso. Tem ficado mais errático nesta era de crise e imprevistos com as mudanças estruturais globais em curso. Mas ele continuam sendo a melhor forma de dar voz ao povo e têm sido instrumentos de mudança para o bem e para o mal.

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