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#LULA3

Um discurso para o futuro

Lula quer deixar um legado mais permanente na sua última passagem pela presidência da República, depois do retrocesso de quatro anos do governo Bolsonaro

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#LULA32 de jan. de 237 min de leitura
Luiz Inácio Lula da Silva acompanhado da primeira-dama Rosângela Silva, do vice Geraldo Alckmin e de sua esposa, Lu Alckmin, após discurso no parlatório do Palácio do Planalto. Foto: Carl de Souza/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias2 de jan. de 237 min de leitura

Lula deixou para fazer o discurso mais forte no parlatório do Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes. Não foi um improviso. Foi lido. Mas foi diferente no tom e no foco principal. O tom foi motivacional. Um discurso indignado e emocionado. Seu foco foi a desigualdade social e a pobreza. Lula mostrou os contrastes brasileiros extremos, “um país em que os pobres, sem ter o que comer, faziam fila para pegar ossos nos açougues e os muito ricos estavam na fila dos jatinhos e helicópteros executivos”. Um discurso que levou o presidente às lágrimas. Lágrimas de inconformismo e solidariedade.

Um discurso de valores, com muita carga política, emocional e simbólica, sobre pobreza, desigualdade e direitos. Ele começou dizendo que governará para todos. No Congresso, já havia mencionado sua eleição por uma ampla frente democrática. Um discurso importante e necessário, diante do legado de extremismo e exclusão dos últimos quatro anos.

Todo discurso bem escrito — e os discursos de Lula, desde o de celebração da vitória, tem sido bem escritos — tem frases-chave e algumas palavras-chave. A palavra-chave do primeiro terço do discurso foi violência, política e emocional. Mas, Lula pretende que este estado de guerra tenha um ponto final com sua posse.

A frase-chave que fecha este raciocínio aponta para uma atitude, que Lula e a esquerda que representa deveriam ter em todas as áreas. Ele disse que governará “olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância”.

Nos outros campos da ação governamental, também é fundamental fixar a vista e ter a visão do horizonte de possibilidades abertas ao país e não formular políticas olhando pelo retrovisor. As políticas de transferência de renda sempre tiveram essa visão longa. Várias políticas econômicas e ações no campo da política, nos outros governos do PT, foram feitas com os olhos no retrovisor.

Em todo o mundo, a direita avança porque a esquerda não consegue entender as contradições novas do presente e os desafios e possibilidades do futuro.

A segunda palavra-chave, que faz a ponte entre o bloco pós-eleitoral e os outros pontos da agenda presidencial, foi união. E a frase-chave foi “não existem dois brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”. Parece estar virando um mantra do Lula 3. Ele a usou no seu primeiro discurso como presidente eleito, logo após o resultado oficial das eleições pelo TSE.

O segundo terço do discurso tinha por palavra-chave a dupla desigualdade-miséria. A agenda econômica e social tem como prioridade a pobreza extrema e a fome. Mas, a agenda mais ampla, incluindo a reforma tributária e do orçamento, mira na desigualdade. O primeiro passo seria a revisão dos subsídios, para colocar os ricos na tributação e ganhar espaço para pôr os pobres no orçamento. O segundo passo seria a atualização do CAD-Único e a reestruturação do Bolsa Família. O terceiro, talvez o mais difícil, a reforma dos impostos diretos para torná-los mais progressivos.

A frase-chave que articula esta agenda é “se queremos construir hoje o nosso futuro, se queremos viver num país plenamente desenvolvido para todos e todas, não pode haver lugar para tanta desigualdade. O Brasil é grande, mas a real grandeza de um país reside na felicidade de seu povo. E ninguém é feliz de fato em meio a tanta desigualdade”.

A agenda de redução da desigualdade vai muito além da desigualdade econômica, para alcançar a desigualdade de renda, de gênero e de raça. Lula se propõe a enfrentar todas as desigualdades, no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado, no acesso à saúde, educação e demais serviços públicos, entre a criança que frequenta a melhor escola particular, “e a criança que engraxa sapato na rodoviária, sem escola e sem futuro”.

E uma segunda frase-chave mostra o tamanho da distância social entre pobres e ricos no Brasil, para definir a ambição da política. “Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de automóveis importados e jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna”.

A palavra-chave do último terço de compromissos assumidos por Lula no parlatório é discriminação. A frase-chave deste bloco é a seguinte: “é inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores, e todas devem ter os mesmos direitos e oportunidades. Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe, ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor de sua pele”. Esta a razão de ser do ministério da Igualdade Racial, entregue a Anielle Franco. O ministério dos Direitos Humanos, com Sílvio Almeida como ministro, passará a considerar mais amplaramente os direitos da cidadania como parte indissociável dos direitos humanos.

(Da esquerda para a direita) a nova ministra do Esporte, Ana Moser; a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos; a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; a ministra do Turismo, Daniela de Souza Carneiro; a ministra da Saúde, Nisia Trindade; a esposa do novo presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, Maria Lucia Ribeiro Alckmin; a Primeira-dama Rosangela 'Janja' da Silva; a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara; a Ministra da Cultura, Margareth Menezes; a Ministra da Mulher, Cida Gonçalve; a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e a Ministra da Administração, Esther Dweck, posam juntas durante cerimônia de posse do gabinete do novo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 1º de janeiro de 2023. Foto: Sérgio Lima/AFP
(Da esq. p/ dir.) As novas ministras posam com Janja e Lu Alckmin: Ana Moser (Esporte), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Simone Tebet (Planejamento), Daniela de Souza Carneiro (Turismo), Nisia Trindade (Saúde), a esposa vice-presidente, Maria Lucia Ribeiro Alckmin, a primeira-dama Rosângela da Silva, Sonia Guajajara (Povos Indígenas), Margareth Menezes (Cultura), Cida Gonçalves (Mulheres), Anielle Franco ( Igualdade Racial), Marina Silva (Meio Ambiente), Esther Dweck (Administração). Foto: Sérgio Lima/AFP

Os povos indígenas precisam ter suas terras demarcadas, sua cultura preservada, e sua dignidade e vida tem que ser garantidas. Para isso foi criado o ministério dos Povos Indígenas, entregue a Sonia Guajajara. Os indígenas cuidarão diretamente de seus direitos, não apenas comandando o ministério, mas também a Funai, que será dirigida por Joênia Wapichana.

O combate à opressão às mulheres, à violência, ao feminicídio, a desigualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função, justifica o ministério das Mulheres, entregue a Cida Gonçalves.

Este bloco fecha com uma frase-síntese que define o que deverá ser o terceiro governo Lula: “Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo”.

Não foi por acaso que o discurso no parlatório continha principalmente uma mensagem social. Um discurso de solidariedade e de compromisso com a integridade e felicidade das pessoas como seres humanos. Lula já havia se referido a seu humanismo. Quer promover mudanças estruturais, porque viu um governo obscurantista destruir em quatro anos os ganhos acumulados nos últimos vinte anos. Quer deixar um legado mais permanente na sua última passagem pela presidência da República.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”.

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