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Um ano bom

Se Lula já fez o balanço do ano, pode ter concluído que foi um ano bom, mas nada como 2003 e 2007, no início de seus dois mandatos anteriores. Ele fecha seu primeiro ano no terceiro mandato com 51% de aprovação. Era 66% ao fim de 2003, e 65% em 2007

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLÍTICA30 de dez. de 235 min de leitura
Luiz Inácio Lula da Silva participa de celebração de Natal dos catadores, catadoras e população em situação de rua no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, em 22 de dezembro. Foto: Foto: Ricardo Stuckert/PR
Sérgio Abranches, para Headline Ideias30 de dez. de 235 min de leitura

Os franceses dizem da melhor safra de determinado vinho que foi “une bonne anée”, foi um ano bom. Lula já deve ter feito o balanço de seu ano. Provavelmente concluirá que foi um ano bom, porém incomparável aos de 2003 e 2007, início de seus dois mandatos anteriores.

O presidente fecha o seu primeiro ano no terceiro mandato com 51% de aprovação, de acordo com pesquisa do IPEC mais recente. Sua aprovação era de 66% em dezembro de 2003, e 65%, em dezembro de 2007, medidos pela pesquisa Ibope, cuja metodologia o IPEC herdou.

Por que foi um bom ano para Lula e para o Brasil? Para o Brasil, porque a maioria demitiu Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022. Foi preciso um terceiro governo Lula para deixar o passado golpista e o presidente inepto para trás. O episódio infame de 8 de Janeiro foi superado. Falta punir os cabeças e os financiadores. Terminamos o ano com a inflação próxima da meta, que não foi relaxada. Colhemos a aprovação da reforma tributária que, mesmo mitigada e parcialmente deformada pelos lobbies da elite privilegiada e seus caríssimos subsídios, ainda pode fazer alguma justiça distributiva e reduzir a desigualdade entre estados e entre pessoas. Não é um balanço completo. Apenas os destaques deste ano bom, sabendo que houve melhores em outras décadas.

Alguns destaques negativos diminuem a qualidade do produto saído da safra de 2023. O Congresso, com suas bancadas-miniatura e blocos partidários disformes, conseguiu por o governo nas cordas e aumentar seu controle sobre a execução orçamentária. O aumento da influência do Legislativo sobre áreas de competência privativa do Executivo reduz os recursos de barganha presidencial. A coalizão de Lula é minoritária. O Centrão domina o plenário de bancadas medianas. A governabilidade se complica.

Legislação velha

Paradoxalmente o Legislativo acabou aprovando medidas como o arcabouço fiscal que baliza a nova política macroeconômica de responsabilidade fiscal, apresentada e negociada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Tem lhe dado os meios para conseguir aumentar a arrecadação sem incremento significativo da carga fiscal, embora isentando os setores empresariais com lobbies mais fortes no Congresso.

O governo conseguiu restabelecer a credibilidade e a qualidade de políticas públicas essenciais na Educação, na Saúde, na Economia e no Meio Ambiente. Na Educação, que ficou acéfala por quatro anos e houve retrocessos significativos, o país voltou a ter ministro e uma política educacional. Parte do legado negativo ainda não foi enfrentado. Na Saúde, dominada pelo negacionismo no governo anterior, o programa nacional de imunização foi retomado e aumentou o contingente de crianças e adultos vacinados. No Meio Ambiente, que atendia aos interesses do agro predatório, o desmatamento na Amazônia teve redução significativa. No Meio Ambiente e na proteção dos direitos indígenas a safra deu frutos amargos. Foi promulgada a lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O agro ficou fora do mecanismo de crédito de carbono. Legislação velha e atrasada liberando agrotóxicos sem critério, nascida em outra era, foi aprovada e promulgada com alguns vetos. Merecia, apenas, o lixo da história.

O marco temporal será judicializado. O Supremo Tribunal Federal será provocado sobre sua constitucionalidade. Já formou maioria pela inconstitucionalidade, mas haverá pressão pesada do ruralismo sobre os ministros da Suprema Corte.

A nova administração ambiental, novamente sob direção da ministra Marina Silva, conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia de forma expressiva. Ainda está devendo uma política adequada ao Cerrado para evitar sua destruição e, com ela, a perda de mananciais que abastecem a segunda maior bacia hidrográfica do país. A luta contra o garimpo ilegal teve duas vitórias importantes, mas ainda não suficientes.

O Supremo Tribunal Federal considerou ilegal a presunção de boa fé na comercialização do ouro. A Receita Federal implantou a nota fiscal eletrônica nas transações com o metal. As duas medidas melhoraram a capacidade de fiscalização das DTVMs que controlam este comércio. Mas o garimpo ilegal continua sua obra de destruição de terras, águas e vidas.

Garimpo ilegal em terras Yanomami é considerado uma das principais causas da crise humanitária vivida pelo povo indígena. Foto: Daniel Marenco/ Headline

Fontes indígenas relatam o retorno dos garimpeiros à Terra Yanomami. Tem faltado persistência na ação governamental. Após a bem sucedida intervenção sanitária e alimentar na TI Yanomami onde houve evidente genocídio, a presença do Estado foi relaxada e o crime retornou. Os garimpeiros estão acostumados a este padrão de ação governamental, quando são expulsos de algum lugar, recolhem-se pela proximidade à espera da redução dos efetivos estatais e retornam quando a ação estatal não tem mais poder de dissuasão.

Também no Vale do Javari, onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados, a situação voltou a piorar. Nesta área, instalou-se complicado quadro de associação criminosa, na imbricação entre o narcotráfico e a pesca ilegal. A jagunçada deu lugar a facções organizadas.

Se considerarmos que o mais importante na política era debelar o golpismo, reforçar a democracia, isolar a extrema-direita e restabelecer a qualidade de políticas publicas centrais, foi um bom ano. Se considerarmos que, na economia, o mais importante era debelar a inflação, ter uma política de responsabilidade fiscal fora dos parâmetros da austeridade ortodoxa, capaz de selecionar o gasto de acordo com as necessidades sociais, beneficiando os mais pobres e retirando privilégios dos mais ricos, foi um bom ano.

No Meio Ambiente, se o mais importante era debelar o desmatamento e remover os interesses predatórios do próprio ministério, do Ibama e do ICMBio, foi um bom ano. Se reconstruir a Funai a partir dos destroços legados pelo governo anterior e criar um sistema mais coerente de proteção aos direitos indígenas, dando-lhes mais voz, era o objetivo central, foi um bom ano.

Que 2024 seja um bom ano para todos e a safra que colhermos no plano coletivo e no pessoal não contenha frutos amargos.

Feliz Ano Novo para todos.

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