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UE-Mercosul é incentivo para Brasil zerar desmatamento

As obrigações e sanções incluídas pela Europa no acordo com Mercosul e a lei aprovada em abril pelo Parlamento Europeu devem ser vistas como incentivos para o Brasil escalar sua política para o clima

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#MEIO AMBIENTE14 de jun. de 238 min de leitura
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, chegam para fazer uma declaração conjunta após encontro no Palácio do Planalto, em Brasília, em 12 de junho de 2023. Von Der Leyen está em turnê pela América Latina, onde ela também visitará Argentina, Chile e México. Foto: Evaristo Sá/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias14 de jun. de 238 min de leitura

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, espera que o acordo União Europeia-Mercosul seja aprovado até o final do ano. O presidente Lula apoia e deseja a aprovação do acordo, desde sua campanha para o terceiro mandato. Mas reclamou das cláusulas recém-incluídas com obrigações e sanções em relação ao desmatamento. Criticou, também, a lei aprovada em abril deste ano, que proíbe a compra de commodities de áreas de desmatamento.

A Europa, como o resto do mundo, está preocupada com a Amazônia, por sua influência no sistema climático global. Nós devíamos nos importar com a Amazônia e com o Cerrado, responsável pela formação de nossa segunda bacia pluvial. Cerrado é água, e com a Mata Atlântica, proporcionalmente ainda mais rica em biodiversidade.

Ursula von der Leyen tuitou seu keynote speech no EU-Argentina Business Forum, com a chamada dizendo "UE-Mercosul é o maior e mais ambicioso acordo comercial que as duas regiões já negociaram. Um mercado combinado de 700 milhões de consumidores." E termina dizendo, "precisamos aprová-lo". Lula sabe da importância do acordo e que ele atrasou por causa do descalabro ambiental do governo Bolsonaro. O acordo abre inúmeras possibilidades e oportunidades para o Brasil, o maior mercado e a maior economia da América do Sul, que vão muito além da exportações de commodities agrícolas.

As exigências da União Europeia há muito superaram possível protecionismo do campo europeu. Ele não compete com nossas commodities. A Europa vem aumentando as exigências internas relativas ao controle de emissões de gases estufa e à cobertura florestal — o mais eficiente e mais barato método disponível de captura de carbono da atmosfera — com metas bem agressivas, por exemplo, a eletrificação total da frota de veículos automotores. Há muita pressão doméstica para que a União estabeleça padrões nas relações comerciais e financeiras com os outros países no mesmo patamar daqueles adotados internamente.

Credibilidade comprometida

A preocupação legítima de Lula é que essas exigências prejudiquem o Brasil por causa da escalada do desmatamento e do desmando ambiental promovidos por Bolsonaro. O presidente tem razão, estamos com a ficha suja com relação à política climática e ambiental por causa do governo anterior. Mas temos também um problema de credibilidade. Nunca conseguimos estabilizar o desmatamento em um piso relativamente baixo, muito menos chegar ao desejado e imperioso desmatamento zero. Nosso gráfico de desmatamento com os dados oficiais, gerados pelo PRODES/INPE, é uma montanha russa, com picos e vales, mas nenhuma reta.

Quando o PRODES começou a medir o desmatamento com imagens de satélite, em 1986, ele estava em 21 mil quilômetros quadrados. Caiu para 11 mil, em 1991, uma queda de 48%. Voltou a subir, atingindo o pico de 29 mil quilômetros quadrados, em 1995, um aumento de 164%. Diminuiu, novamente, atingindo 13 mil quilômetros quadrados em 1996, queda de 54%. Subiu sem parar até chegar a novo pico, em 2004, de quase 28 mil quilômetros quadrados, aumento de 115%. Na gestão de Marina Silva, com o PPCDAM, e de Carlos Minc, que a sucedeu, voltou a cair fortemente, atingindo seu mais baixo índice, de 4,5 mil, em 2012. Uma queda de 84%. Entre 2012 e 2014, tivemos o que foi mais parecido com uma reta, em que o desmatamento ficou entre 4,5 mil e 5 mil quilômetros quadrados, uma variação de 11%. Mas voltou a subir em 2015, até novo pico, de 13 mil, em 2021, 160% de alta. Caberá ao governo Lula não apenas buscar um novo piso, mas desenvolver as garantias institucionais que mantenham o desmatamento sob controle para que cheguemos, de fato, ao desmatamento-zero até 2030.

Sanções esperadas

As sanções previstas no acordo e a proibição de importação e exigências de rastreabilidade da nova lei aprovada pelo parlamento europeu já eram esperadas há muito. Podem ajudar o governo na tarefa de zerar o desmatamento e mudar o modo de desenvolvimento na Amazônia.

A lei não apenas proíbe a compra de commodities em áreas de desmatamento, entre elas soja, carne, café e papel. Ela também exige que os exportadores façam a due diligence, um tipo de auditoria, demonstrando a origem dos produtos e sua rastreabilidade, atestando que nem eles, nem os insumos utilizados em sua produção têm origem em áreas de desmatamento.

O governo Lula é minoritário no Legislativo e tem sofrido o bloqueio da bancada ruralista. As pressões externas podem ajudá-lo a quebrar este bloqueio. O agronegócio de exportação seria o maior prejudicado pela não observância das exigências europeias. A maioria dos produtores não produz em áreas de desmatamento e tem buscado se enquadrar nos padrões ambientais exigidos pelos melhores mercados.

Mas, o agronegócio exportador se deixa representar politicamente pela lavoura arcaica e compartilha com ela a mentalidade política atrasada. Ela é maioria na bancada ruralista. Fazem parte do arco político da lavoura arcaica os grileiros e invasores de terras públicas, indígenas e de unidades de conservação, que desmatam para especular com a terra.

O modelo de produção nessas áreas não se sustenta sem adição de terra a custo zero ou muito baixo comparado aos valores de mercado da terra legal. Se quiser se manter competitivo no mercado global, o agronegócio terá que modernizar sua visão política. Não basta ser tecnológico e pop.

O agro e o atraso

O agronegócio brasileiro é um exemplo notável da força da mentalidade política atrasada das classes agrárias, sociologicamente a fonte das pulsões autoritárias em praticamente todos os países que viveram o colapso de suas democracias.

O agro brasileiro passou por grandes mudanças tecnológicas. Nossas commodities se tornaram muito competitivas. Boa parte das famílias do agro passou por mudança geracional significativa, com os filhos e filhas dos produtores assumindo os negócios após fazerem graduação ou pós-graduação em universidades de primeira linha no exterior. Mas esta modernização de modos e métodos de produção e gestão não atingiu o plano do comportamento social e político. As cabeças continuam atrasadas. Não por acaso, o agro continua a ser base política de Bolsonaro e se aproveitou das liberalidades por ele aprovadas para se armar fortemente.

É conveniente para a agroindústria exportadora aceitar a hegemonia política da bancada ruralista. Não precisa incorrer nos custos de oportunidade relativamente altos para constituir uma representação política compatível com seus novos modos econômicos. É uma escolha.

Se quiser sofrer sanções e ser expulso dos melhores mercados globais, basta continuar a apoiar a bancada ruralista, que promove todo tipo de atraso social e ambiental no Congresso. Se quiser manter estes mercados, vai precisar se desvincular politicamente da lavoura arcaica e ter sua própria representação. As contradições existem e vão cobrar um preço, provavelmente maior do que o custo de oportunidade da independência política em relação à lavoura do atraso.

Imperativo climático

Os requisitos ambientais, sobretudo aqueles ligados à mitigação da mudança climática, são um imperativo da era em que vivemos. Ficarão cada vez mais rigorosos. Não haverá como escapar. As observações científicas das manifestações da mudança climática no presente estão dando conta de que atingimos provável novo patamar.

Vários marcadores fundamentais, como a temperatura média dos oceanos, apontam para uma aceleração acima do previsto nos cenários de controle. Tem aumentado muito a preocupação global com a mudança climática que, há muito, deixou de ser algo a acontecer no futuro e se tornou uma ameaça presente à qual não estamos conseguindo nos adaptar.

Fumaça dos incêndios florestais no Canadá causa nebulosidade na cidade de Nova York, em 7 de junho de 2023. Foto: Angela Weiss/AFP
Fumaça dos incêndios florestais no Canadá causa nebulosidade na cidade de Nova York, em 7 de junho de 2023. Foto: Angela Weiss/AFP

A fumaça dos incêndios florestais no Canadá, que atingiu Nova York, Washington e chegou à Noruega, não é apenas um incômodo para as pessoas e um risco para a saúde coletiva. É um evento extremo, imprevisto e incontrolável. Ficou clara a amplitude global da mudança climática. O fogo pega no Canadá e sufoca os noruegueses com sua fumaça.

Um alarme a mais a disparar indicando que a mudança climática está entre nós, produzindo fenômenos extremos em níveis inéditos. Muitos temem que os efeitos do El Niño, que está em formação, sejam os mais severos que já experimentamos nesta temporada.

Não vai demorar muito para que atinjamos o que os cientistas consideram como os tipping points, após os quais entraremos em um curso sem volta rumo a situações muito inóspitas. O impacto humanitário será brutal nos países e nas populações mais pobres e vulneráveis, porém não poupará os países e populações mais ricas.

Exigências, sanções, pressão social e política aumentarão com os sinais de agravamento das condições climáticas do mundo. Os custos econômicos e sociais dos eventos extremos que produzem grandes tragédias ao encontrarem o ambiente construído e habitado por nós humanos já estão em patamar elevadíssimo.

A indústria de seguros e os grandes fundos que a sustentam já decidiram banir investimentos que tenham risco climático. Isto vai se espalhar.

Para o Brasil é uma enorme ameaça. Somos vulneráveis aos eventos climáticos extremos. E é uma oportunidade única. Temos a mais eficiente e maior máquina de absorção de carbono e as condições necessárias para zerar as emissões de nossa matriz energética. Podemos nos tornar uma potência energética, exportadora de hidrogênio verde, que será o substituto do petróleo.

Portanto, os requisitos do Acordo UE-Mercosul e as demandas do mercado europeu devem ser vistos como incentivo para a mudança e não como risco econômico.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”

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