Conecte-se

Ideias

#POLÍTICA

Reforma ou pacto federativo?

A reforma tributária não parece mais ter vetos rígidos contra ela. O clima para aprovação é bom, mas falta negociar os detalhes. É onde tudo empata

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLÍTICA5 de jul. de 237 min de leitura
Fernando Haddad fala com jornalistas ao lado do governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em Brasília. Foto: Diogo Zacarias/Divulgação Ministério da Fazenda
Sérgio Abranches, para Headline Ideias5 de jul. de 237 min de leitura

A reforma tributária está em negociação concentrada esta semana na Câmara dos Deputados. Ela ficou coarando anos a fio. A ideia foi amadurecendo e o consenso foi se formando. Governadores e prefeitos passaram a apoiar a ideia. Mas, como sabemos, governadores e prefeitos, para bem da democracia, são substituídos nas eleições municipais. Com a mudança, a negociação precisa recomeçar, para incluir os novos eleitos. É como se a elite política tecesse o tapete de Penélope. Como se sabe, Penélope, à espera de Ulysses, tecia o tapete durante o dia e o desfazia à noite.

Agora são bons os sinais de que a reforma pode andar. Ela está sendo negociada nos seus detalhes e não se discute mais a oportunidade ou não de realizá-la. A confusa teia de tributos, o novelo irremediável de regras, os custos para todos os setores, inclusive o Estado, que tem suas receitas indexadas e garantidas, levaram ao consenso pela necessidade de uma reforma. Há debate, ainda sobre que reforma seria a melhor. Mas, parece que a grande maioria concorda que qualquer reforma é melhor do que nenhuma.

Clima bom

Estavam ontem em Brasília para negociar a reforma cerca de 10 governadores e algumas dezenas de prefeitos. Chegaram com as pastas cheias de vetos. Ao que tudo indica, diante da abertura do relator ao diálogo e a ajustes no projeto para atender às principais objeções, à noite, já haviam engavetado a maior parte dos vetos e estavam de acordo com o miolo da reforma.

O governador Renato Casagrande, do Espírito Santo, disse a Míriam Leitão que há clima político para votar a reforma. O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que continuará a ouvir governadores e prefeitos para que a reforma possa entrar em pauta e ser votada pelo plenário ainda esta semana.

A reforma é muito necessária mesmo e, se aprovada, terá que ser complementada pela mudança na estrutura dos impostos diretos, no imposto de renda e nos penduricalhos que incidem sobre a renda pessoal e empresarial. Se as duas reformas vingarem, há uma boa chance de que a desigualdade caia. A reforma que está em pauta é dos impostos indiretos e tem impacto decisivo nas relações entre a União, os estados e os municípios. Pode ser o começo de um processo de federalização fiscal, com importantes efeitos positivos em nossa democracia e no funcionamento do presidencialismo de coalizão.

Complexidades

Pacto federativo já virou uma expressão gasta. Desgastou-se por se falar tanto em sua necessidade durante mais de uma década e não se avançar quase nada nesta direção. Se a Câmara, de fato, aprovar a reforma e ela for bem sucedida também no Senado, este pode ser o começo de um novo pacto federativo, que levaria à descentralização da governança, aumentando a autonomia e as capacidades dos estados e municípios.

Se isto acontecer, a pressão fiscal sobre o Governo Federal será reduzida e a relação Executivo/Legislativo mudará, alterando a lógica do presidencialismo de coalizão. Mas, por enquanto, tudo isso é desejo. Para começar a se tornar real, o primeiro passo é a aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e, depois, no Senado.

É um processo que tem suas complexidades. A estrutura tributária interessa, de forma diferenciada, a muitas forças na sociedade, no mercado e na política. Há clivagens entre estados produtores e estados consumidores, entre estados grandes e estados pequenos, entre estados e municípios, entre estados, municípios e União. Esses interesses são representados de forma diferenciada nas duas Casas do Congresso.

Diferentes representações

Na Câmara, os estados grandes e mais ricos têm a maioria. A representação proporcional lhes dá esta vantagem. No Senado, os estados menores e menos desenvolvidos têm a maioria. A representação majoritária e paritária, que lhes confere o mesmo número de senadores (três) garante essa maioria. Daí porque o que se acorda na Câmara pode não ter apoio majoritário no Senado.

Os deputados sabem disso e esta é uma das razões pelas quais estão ouvindo prefeitos e governadores. Deputados representam seus estados, mas também expressam correntes de opinião, interesses de grupos sociais e econômicos, organizações da sociedade civil. Tendem a se unir em torno dos interesses de seus estados apenas em matérias como a tributária, que tem impacto material em suas bases.

Fim dos "vetos rígidos"

Com a participação dos governadores e prefeitos nas negociações na Câmara, parte das objeções que seriam feitas no Senado pode ser resolvida pelos deputados. Os políticos deram um primeiro e relevante passo, muito desprezado nas análises, saindo da oposição a qualquer reforma concreta. Esta oposição era mascarada pelo apoio geral a uma reforma abstrata. Este tipo de oposição é fonte de “vetos rígidos”, que consideram determinadas questões inegociáveis.

Ao passarem a um sim condicional, os vetos se tornam flexíveis, suscetíveis à negociação. Não significa, ainda, um voto sim. Quer dizer que a matéria ainda não está pronta para votar, mas está madura para ser negociada ponto a ponto.

É neste estágio em que parece estar, no momento, a reforma tributária. Ter clima político para votar, significa que as negociações estão andando. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, chegou a Brasília em oposição e saiu dizendo que concorda com 95%. As objeções remanescentes, segundo disse, são pontuais e “fáceis de serem ajustados”. Ele se mostrou cooperativo após se encontrar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que foi seu adversário na disputa pelo governo de São Paulo, em 2022.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Rio Grande Sul, Eduardo Leite, do Paraná, Ratinho Jr, do Espírito Santo, Renato Casa Grande, do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, durante entrevista coletiva, após reunião com parlamentares para tratar da reforma tributária, no B Hotel em Brasília, em 04 de julho. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Rio Grande Sul, Eduardo Leite, do Paraná, Ratinho Jr, do Espírito Santo, Renato Casa Grande, do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, durante entrevista coletiva, após reunião com parlamentares para tratar da reforma tributária, no B Hotel em Brasília, em 04 de julho. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Governadores e prefeitos têm voz

Parte deste avanço recente dos entendimentos em torno da reforma tributária tem origem na trágica experiência com a pandemia e o desgoverno negacionista de Bolsonaro. Os governadores tiveram que se tornar protagonistas na luta contra a pandemia e na pressão ao Governo Federal, para forçá-lo a providenciar vacinas e medicamentos essenciais, como aqueles necessários ao entubamento dos casos de gravidade, que requeriam tratamento em UTIs. Eles se reuniram com este objetivo em uma frente, passaram a se entender para além das diferenças partidárias e a operar com pautas de interesse geral.

Nem todos estão no comando dos estados no momento. Mas a experiência valeu e criou canais que os novos governadores podem usar. O mesmo se pode dizer dos prefeitos, que tiveram que fazer o mesmo por seus municípios. Ao voarem para Brasília para expor aos parlamentares suas objeções e seus temores sobre a reforma, muito poucos estavam na posição de “veto duro”. Os vetos flexíveis estão sendo negociados. Estarão em negociação até o momento de iniciar a votação.

Quem manda na distribuição

O ponto principal em discussão é a governança do Conselho Federativo. Ela terá que ser desenhada de modo a que governadores e prefeitos não sintam sua autonomia reduzida e possam evitar perdas de receita na repartição do IBS, o IVA estadual.

Como a reforma prevê que sua arrecadação seja centralizada, o nó político é quem decidirá a distribuição aos estados e municípios, com base em que critérios. Se a coleta é centralizada, a gestão também terá que ser, mas ela pode ser cooperativa, participativa e transparente. Os outros pontos de divergência são ainda mais pontuais e fáceis de acertar.

Até que se forme maioria robusta, que ultrapasse o mínimo necessário, o projeto não será votado. Mas, a expectativa da maioria dos que estão envolvidos na negociação dos ajustes com o relator da matéria, é que ele tem uma boa chance de ir a votação ainda esta semana.

Se a reforma passar, ela poderá servir de ponto de largada para um novo pacto federativo, que descentralize política, financeira e administrativamente a federação brasileira.

A hipercentralização é um dos fatores determinantes do toma-lá-dá-cá em que se transformou o presidencialismo de coalizão brasileiro. A descentralização valorizaria a política estadual e municipal e abriria uma avenida para a redefinição dos papéis federativos, deixando ao governo federal as tarefas estratégicas e a busca do equilíbrio  nas políticas públicas mais necessárias e relevantes para a Nação.

#POLÍTICA
REFORMA TRIBUTÁRIA
ARTHUR LIRA