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Análise – Políticas tradicionais não induzem inovação

O programa mobilidade verde e inovação do governo tem quase nada de verde e menos ainda de inovação. Erra o alvo ao tentar substituir importações de veículos elétricos

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLÍTICA5 de jan. de 244 min de leitura
Luiz Inácio Lula da Silva durante visita instalações do Polo Automotivo de Goiana, em Pernambuco, em junho de 2023: prioridade à indústria tradicional e aos motores a combustão. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Sérgio Abranches, para Headline Ideias5 de jan. de 244 min de leitura

O Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) do governo tem quase nada de verde e menos ainda de inovação. Em lugar de incentivar apenas veículos elétricos e combustíveis verdes, em particular a pesquisa e desenvolvimento em hidrogênio verde, abre uma avenida para as linhas tradicionais das montadoras, com a superada meta de aumentar a eficiência de motores a combustão. Essa era medida que fazia algum sentido uma década e meia atrás.

Em alguns aspectos, o programa lembra velhas práticas de políticas industriais, algumas remontando à política de substituição de importações da época da ditadura, como o Befiex – até nessa ideia de aperfeiçoar o que já é velho. Estudei a política industrial da ditadura para minha tese de doutorado e vejo alguns pontos similares em certas partes da visão de desenvolvimento do presidente Lula e de grande parte do PT. É uma perspectiva historicamente superada.

Não existe uma forma de metamorfosear velhas estruturas e práticas industriais em novas modalidades de baixo carbono. Não dá para ter siderurgia verde, como não é possível fazer do motor a combustão movido a combustível fóssil um motor verde. Os governos do PT têm admiração pelo motor “flex”, suposta inovação de montadoras estrangeiras instaladas no país. Mas é mais uma gambiarra do que uma inovação real. É um motor a gasolina recalibrado para operar a álcool, com mudança na taxa de compressão, para ser minimamente adequada à taxa de combustão mais baixa do etanol e ainda compatível com a da gasolina. Esta taxa de compressão média determina menor eficiência do etanol, de 30% em média em relação à gasolina. Esta desvantagem tem como consequência a indexação, na prática, do preço do etanol ao da gasolina.

O modelo do motor flex parece ser o quadro de referência dessa ideia de que é possível estimular a transição de indústrias fósseis para verdes. Esta possibilidade não existe em grande número de indústrias. São modelos industriais a serem abandonados na passagem para a economia de baixo carbono. Isto vale para os combustíveis fósseis, para os motores a combustão, para vários tipos de materiais e fibras.

O Brasil teve a oportunidade de entrar no mercado de veículos elétricos quando as barreiras à entrada eram muito baixas. Tínhamos a tecnologia, desenvolvida em centros de pesquisa universitários, em alguns casos já no estágio de protótipos. Era necessário um programa de incentivos para apoiar startups nacionais. O momento se deu na passagem do segundo governo Lula, para o primeiro governo Dilma Rousseff. O lobby das montadoras e a fixação no motor flex vetaram o apoio à produção de veículos elétricos. Na década que perdemos, encantados com a gambiarra flex e nossa suposta vocação para potência em combustível verde, a China e a Índia entraram no mercado para valer. Esta semana a BYD chinesa superou a Tesla do famigerado Elon Musk na produção de carros elétricos.

Linha de montagem da fabricante chinesa de carros elétricos BYD, que se transformou nessa semana no maior produtor mundial do segmento elétrico, superando a Tesla, de Elon Musk. Foto: Xinhua

A ideia, agora, é taxar os carros elétricos importados, para incentivar não se sabe bem o quê. Convencer as montadoras a montar veículos elétricos no Brasil, não precisa de política pública, nem subsídio. As mais ágeis já têm planos para tanto, motivadas pelo crescimento da demanda. Fechar o mercado não internaliza produção. Deixar crescer o mercado, com a economia aberta, sim, encoraja a instalação de plantas domésticas.

O Brasil pode se tornar uma potência no mercado de hidrogênio verde, que deverá crescer nos próximos anos. Ainda está no âmbito da pesquisa e desenvolvimento, portanto, as barreiras à entrada são baixas. Não há, ainda, competidores em grande vantagem no mercado. O Brasil tem capacidade tecnológica e vantagens comparativas para entrar. Tem grande potencial para gerar energia solar e eólica, ainda não experimentou todo o potencial de plantas integradas solar fotovoltaica/eólica. Tem, portanto, maior capacidade relativa de dedicar usinas de energia verde à produção de hidrogênio.

Tem-se falado muito disso no governo, mas sem ações concretas para induzir a aceleração de nossa entrada neste campo muito promissor. Há outras áreas nessas condições. Com o dinheiro que se pretende gastar na absurdamente velha e perigosa ideia de produzir petróleo no mar da Amazônia, daria para criar um programa relevante de verdade de inovação verde e reindustrialização sustentável do país.

Não dá para fazer inovação com velhas ideias. Para se ter uma boa política de inovação é preciso pensar novo, diferente e abandonar os interesses investidos em velhas estruturas e práticas.

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