Conecte-se

Ideias

#POLITICA

A agenda do adiamento

O governo começa a tomar forma com a aprovação do arcabouço fiscal e a boa recepção no Congresso. Com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo mostrará suas escolhas

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLITICA30 de mar. de 238 min de leitura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina documento com novas medidas econômicas ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em janeiro. Foto: Sérgio Lima/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias30 de mar. de 238 min de leitura

Com a aprovação do arcabouço fiscal pelo presidente Lula e sua apresentação em detalhe aos presidentes da Câmara e do Senado e aos líderes dos partidos governistas e de oposição, Lula arbitrou a disputa interna entre ala política que queria desidratar o projeto e disputar espaço de decisão com Haddad. Uma vez sanadas as dúvidas do presidente com relação ao conteúdo da nova ferramenta de política fiscal e seu impacto sobre educação e saúde, Lula mostrou que Haddad tem o comando da política macroeconômica.

Não era uma discussão meramente técnica. Era uma disputa de território, por espaço nas decisões macroeconômica. Um excesso de intervenção política afetaria a qualidade da gestão macroeconômica e impediria que ela alcançasse os resultados desejados. A arbitragem de Lula impediu que isto acontecesse.

A proposta aprovada não é tímida. Ao contrário, tem metas ambiciosas. Propõe zerar o déficit em 2024, já obter superávit primário de 0,5% do PIB, em 2025 e de 1%, em 2026. Significa que haverá um mecanismo de contenção de gastos para que a despesa cresça menos do que a receita. O arcabouço prevê também um mecanismo de ajuste caso não se atinja a meta prevista e outro para evitar que ele tenha um viés pró-cíclico. Ou seja, que evite o aumento do gasto na expansão do PIB e sua queda nas desacelerações. O objetivo é poupar na expansão, para gastar mais na retração.

Arcabouço quase aprovado

Fernando Haddad teve recepção muito positiva na apresentação dos detalhes do arcabouço aos presidentes e líderes do Congresso. O arcabouço é de fácil compreensão. O colégio de líderes tem muita força, particularmente na Câmara. É nele que se acerta a pauta de votações e a direção geral do voto. Se Haddad consegue convencer os líderes e obtiver consenso majoritário entre eles, é muito provável que o projeto de arcabouço passe sem muitos atropelos no plenário.

Como será um projeto de lei complementar, ele precisará obter maioria absoluta. Em números, 257 votos na Câmara, e 41 no Senado. Os presidentes das duas Casas se comprometeram a escolher relatores com bom trânsito e boa compreensão técnica para o projeto de lei complementar regulamentando o arcabouço fiscal.

A novela do arcabouço fiscal, na verdade, uma minissérie, teve seu penúltimo capítulo preservando a posição de Haddad como responsável pela política macroeconômica. Seu capítulo final se dará no Legislativo, em mais uma ou duas semanas e exigirá boa articulação dos ministros Alexandre Padilha, da Articulação Política, e Fernando Haddad, da Fazenda. Um impasse sobre o arcabouço fiscal teria efeitos muito negativos para a economia, com impacto também na política. A deterioração econômica rebateria na aprovação do presidente pela população, reduzindo sua popularidade e dificultaria o manejo, já bastante difícil, da coalizão no Congresso para formar as maiorias necessárias.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que sua equipe cooperou com a visão orçamentária e que o arcabouço é crível, sustentável e transparente. Disse, também, que foi formulado de modo a compatibilizar a responsabilidade fiscal com o atendimento das necessidades sociais. O objetivo não é cortar gastos, é promover a sustentabilidade fiscal permitindo a reparação social.

Confronto entre as Casas do Legislativo

O outro impasse que poderia prejudicar o bom andamento do governo, a queda de braço entre os presidentes da Câmara e do Senado sobre a tramitação de medidas provisória. É um problema mais complicado. Não se trata apenas de disputa por espaço. É um conflito de poder, que resultou de uma mudança importante na composição da Câmara dos Deputados e do Senado, neste em menor escala. Essa mudança já ocorreu nas eleições de 2014, última na qual o PSDB ainda foi competitivo na busca da presidência, mas definhou no Congresso. Em 2018, o PSDB quase virou pó e todos os partidos que foram relevantes entre 1994 e 2014, perderam cadeiras no Congresso. O tamanho médio das bancadas caiu.

Nas eleições de 2022, ficou claro que o PSDB se tornara um partido secundário e o tamanho médio das bancadas caiu mais. Embora a fragmentação partidária tenha diminuído com a proibição de coligações nas eleições proporcionais e o aumento da cláusula de barreira, o poder se dispersou entre um maior número de bancadas médias, aumentando os pontos de veto no plenário.

O PT, embora tenha ficado com a maior bancada eleita, o tamanho das bancadas aumenta com adesões na janela de troca de partidos, ele perdeu a capacidade de ancorar uma coalizão majoritária. O PSDB sequer está entre os que têm uma bancada média. O partido deixou de ser um atrator da oposição funcional. Entre 1994 e 2018, PT e PSDB ancoravam a formação de governo e oposição no Congresso.

Fraqueza partidária é fonte de poder

A desancoragem das coalizões parlamentares aumentou o poder do presidentes das duas Casas. No governo Bolsonaro, o poder do presidente da Câmara foi exponenciado pela abdicação de Bolsonaro e pelo manejo do orçamento secreto. O poder do presidente do Senado, neste caso, era subsidiário, mas ele se beneficia, também, da falta de partidos capacitados a ancorar as coalizões do governo e da oposição. Com a determinação da inconstitucionalidade do orçamento secreto, Lira perdeu muito poder. Seu poder agora vem de sua capacidade de formação de maiorias ou ativar grupos de veto, para ajudar ou bloquear a passagem de projetos do governo. Poder que Rodrigo Pacheco também tem.

Uma anomalia determinada pelas emergências da pandemia deu mais poder a Lira e reduziu o de Pacheco, quando o exame das medidas provisórias deixou de se iniciar por comissões mistas especiais, com paridade de representação de Câmara e Senado. Passaram a ser inicialmente analisadas pela Câmara e, depois, seguiam para o Senado. O que ocorreu com muita frequência neste período, todo ele no governo Bolsonaro, foi que a Câmara só enviou as MPs para o Senado muito próximo da data final de aprovação, o que tornava a decisão dos deputados praticamente fato consumado.

Pacheco, agora, quer o retorno ao trâmite previsto na Constituição, que inicia o exame das MPs por comissões mistas paritárias, devolvendo ao presidente do Congresso, o próprio presidente do Senado, a prerrogativa de devolver medidas provisórias rejeitadas pelas comissões mistas. Pacheco negocia este conflito em vantagem, porque tem a Constituição a seu lado. Um impasse, se judicializado, levaria ao retorno à regra constitucional.

Lira sabe que não tem como impor sua vontade, de mudar a Constituição para separar o exame da MPs, que seriam alternativamente iniciados na Câmara e no Senado. Ao mesmo tempo, quer compensar o poder perdido com o fim do orçamento secreto. Diante de um Rodrigo Pacheco irredutível, propôs um compromisso: manter as comissões mistas, porém com 3 deputados para cada senador, dar prazos limites para decisão sobre as medidas provisórias pelas comissões bicamerais, pela Câmara e pelo Senado. Pacheco reagiu dizendo que sobre prazos limites há possibilidade de acordo. Mas, rejeita a mudança na composição das comissões. Ainda assim deverá levar a proposta aos líderes dos partidos no Senado. Estes, na primeira consulta, foram unânimes em apoiar a posição de Pacheco. Muitos dizem que, para eles, já está decidido.

O único acordo possível, mas pouco provável pelo que sei, seria aceitar a representação desigual nas comissões mistas, mas tomar os votos em separado. A aprovação precisaria, neste caso, da maioria dos votos de deputados e de senadores separadamente.

Executivo busca saída

O presidente Lula tentou influir na solução do impasse entre os dois, sem sucesso. Por isso, trabalhou por uma proposta alternativa. Aprovar no rito constitucional as MPs  consideradas essenciais, como a que reestrutura o governo, que restabelece o voto de qualidade do governo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), e as que determinam o retorno do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida. As demais seriam retiradas e retornariam ao Congresso como projetos de lei com urgência constitucional. Com esta decisão, Lula deixa de ter interesse investido na rusga entre os dois chefes do Legislativo.

Reunião de trabalho sobre o novo arcabouço fiscal, no Palácio da Alvorada, em Brasília, em 29 de março. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação Presidência da República
Reunião de trabalho sobre o novo arcabouço fiscal, no Palácio da Alvorada, em Brasília, em 29 de março. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação Presidência da República

O processo legislativo está no limiar da paralisia, porque, antes das MPs caducarem, elas trancam a pauta da Casa legislativa em que estiverem. Com o exame, por acordo, daquelas assinadas por Bolsonaro pelo rito adotado na pandemia e a retirada da maioria das assinadas por Lula, desaparece o risco de trancamento de pauta. A queda de braço por poder entre Câmara e Senado, começará a deixar de fazer sentido. Principalmente se Lula passar a enviar projetos de lei com regime de urgência, em lugar de MPs.

O impasse sobre as MPs terá uma consequência positiva. Forçará o governo a transformar em projetos de lei medidas que não atendiam às exigências constitucionais de relevância, urgência e emergência. É na verdade, um efeito não-antecipado positivo. As MPs têm sido usadas de modo abusivo pelos presidentes. A maioria das que viraram lei não atendiam às condições constitucionais e ainda continham provisões estranhas a seus objetos, os “jabutis”, que é, em tese inconstitucional.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”. 

#POLITICA
ECONOMIA
REGRA FISCAL
HADDAD
CONGRESSO