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O retorno da diplomacia presidencial

Lula chega à China em um momento de rivalidade agravada entre Estados Unidos e China. Ambos têm interesse em ter o Brasil como parceiro e aliado e será preciso manter o equilíbrio

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLÍTICA12 de abr. de 237 min de leitura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião ministerial para comemorar os primeiros 100 dias de seu governo, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 10 de abril de 2023. Foto: Evaristo Sá/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias12 de abr. de 237 min de leitura

Lula tem prestígio global e já mostrou que sabe manejar a diplomacia presidencial muito bem. Só dois presidentes brasileiros mostraram intimidade com a diplomacia presidencial, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Eu pude observar como ambos se moviam com desenvoltura entre os chefes de Estado das principais nações do mundo, em duas ocasiões muito ilustrativas da capacidade diplomática de ambos. Estilos e personalidades muito diferentes e habilidades equivalentes.

Acompanhei a viagem de Fernando Henrique a Berlim, a convite do presidente, numa reunião da então chamada Terceira Via. A cúpula reuniu vários mandatários ligados à social democracia da Terceira Via, entre eles o anfitrião, Gerard Schroeder, Bill Clinton e Fernando Henrique. Tony Blair não estava por causa de um compromisso doméstico. O tema da reunião continua atual e inalcançado, “Progressive Governance for the 21st Century(Governança Progressiva para o século 21). Apresentei um trabalho na reunião de intelectuais. Foi publicado em um volume editado por Schroeder com os artigos do encontro.

Fernando Henrique era respeitado e circulava com tranquila familiaridade naquela roda exclusiva do poder. Via-se que era gostado e respeitado em suas opiniões.

"Meu amigo Lula"

Vi como Lula, na COP 15, em Copenhague, foi visitado em seu hotel por governantes de países do G8, como o presidente francês, Nicolas Sarkozy, o primeiro ministro do Reino Unido, John Major e a chanceler alemã, Angela Merkel, para encontros bilaterais sobre como conduzir a delicada cúpula do clima.

Era respeitado e se movia com familiar tranquilidade entre os líderes, que o ouviam atentamente. Foi considerado o único mandatário que poderia evitar uma reunião constrangedora do plenário de chefes de governo daquela convenção do clima, na qual só falariam Barack Obama e o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao. O impasse se dava, exatamente, entre os Estados Unidos e a China.

Lula seria o algodão entre cristais. Foi seu segundo pronunciamento, o que era incomum. Ele já fizera seu discurso, lido, na sessão anterior. Relutou, mas acabou aceitando e fez um improviso muito aplaudido.

Para evitar um final melancólico de uma COP recebida com expectativas inflacionadas, Obama entrou numa reunião do BASIC, o grupo formado por Brasil, África do Sul, Índia e China. A intenção era, exatamente, acertar as posições de seu país e da China.

Quando alertado de que não haviam previsto lugar para ele, disse “eu me sento ao lado do meu amigo Lula”. Lula abriu espaço para o presidente dos Estados Unidos e eles negociaram palavra a palavra o acordo de Copenhague. Foi por ele que EUA e China mudaram de posição e deixaram de negar participação em um novo acordo pós-Protocolo de Quioto.

Vergonha nacional

As viagens externas de Bolsonaro foram constrangedoras para o Brasil. Houve momentos em que as lideranças presentes deram todos os sinais de desprezo por ele. Ficou icônico o coquetel em Davos, no Fórum Econômico Mundial, no qual os líderes do G7 ignoraram Bolsonaro ostensivamente e ele ficou isolado em um canto do salão, conversando sem graça com seu desataviado chanceler.

Nos Estados Unidos de Trump, era apenas um bajulador. No de Biden, ironizado como uma cópia mal feita de Trump. Em sua visita ao Reino Unido, no encontro com o primeiro-ministro Boris Johnson, um vexame. Johnson falou da importância da vacina para a covid, que ele tomara e recomendava que todos a tomassem. Era uma cortesia, já que a Fiocruz era parceira de Oxford e da Astrazeneca na produção de uma delas. Bolsonaro optou pela descortesia, dizendo que ele não havia tomado a vacina. A resposta do brasileiro deixou o primeiro-ministro desconsertado. Não houve diplomacia presidencial, mas fiascos seriais.

Nova conjuntura global

Na China, Lula precisará do mesmo jeito com que aparou as negociações entre China e os Estados Unidos na COP 15, quando o chinês estava à sua frente e Obama a seu lado. Novamente, chega em um momento de rivalidade agravada entre as duas potências. Ambas têm interesse em ter o Brasil como parceiro e aliado.

Os Estados Unidos, gostariam que o Brasil se tornasse parte de uma cadeia de suprimentos alternativa, diante do monopólio chinês e dos riscos de disrupção das cadeias de suprimento de insumos críticos. Biden deu claras demonstrações de preferência e simpatia por Lula, quando este esteve em Washington.

A China, hoje, compete não em produtos de baixo custo, mas em alta tecnologia. Tornou-se um polo de inovação e não mais apenas de cópias baratas. Já deu demonstrações da importância que confere à relação com o Brasil.

O Brasil terá que se equilibrar entre seus dois maiores parceiros comerciais. Precisa ter cautela nas relações com os EUA para não se tornar um fornecedor subalterno de tecnologias já dominadas. Sua reindustrialização tem que buscar a inovação tecnológica, particularmente na bioindústria.

Precisa tomar cuidado com a chegada de investimentos chineses. A entrada da China na África foi brutalmente predatória e formou vários enclaves de trabalhadores chineses.

Potência biotecnológica

Está na hora do Brasil recusar posições de dependência e se tornar um parceiro global autônomo, com capacidade tecnológica própria e habilitado a ser parceiro em igualdade de condições nas redes globais de pesquisa e desenvolvimento de inovação.

O Brasil sempre preferiu a industrialização de segunda ou terceira linha, como as indústrias extrativo-beneficiadoras, a siderúrgica, a metalmecânica. E as fósseis, óleo, gás e petroquímica. Todas velhas, com tecnologias dominadas. Todas permitindo-lhe apenas uma industrialização subsidiária.

Optou pela inovação periférica, de adaptações marginais, como o motor flex. Nunca tivemos uma política que aproveitasse a sério nossa capacidade científica e tecnológica, instalada em centros de excelência internacionalmente reconhecidos, nem o potencial de nossos recursos de biodiversidade.

É ridículo que tenhamos tido que importar da Índia o IFA para produzir as vacinas para covid. Que a Alemanha use princípios ativos retirados de árvores do nosso Cerrado e importemos o medicamento pronto. Que os Estados Unidos gerem muito mais valor industializando o açaí do que o Brasil. Que o Canadá, país de baixa biodiversidade, tenha um parque biotecnológico maior e melhor do que o nosso.

Que reindustrialização?

Ainda não está claro que escolhas o governo Lula 3 fará para nossa reindustrialização. Pelo que diz o presidente do BNDES, Aloysio Mercadante, às vezes parece que será o caminho da inovação, para disputar a ponta da chamada indústria 4.0.

Outras vezes, parece que será apenas uma atualização do padrão Fiesp/Iedi de indústria velha, protegida e ineficiente. A julgar pelo que partidos da base íntima de Lula acabam de pedir ao STF, que exima empresas notoriamente delinquentes, empreiteiras como a Odebrecht e predatórias como a JBS, das multas por corromperem agentes públicos, estarão trilhando caminho velho e de alto risco. Lula vai bordejar o fracasso se seguir esta trilha.

Ao lado do Vice-Presidente Geraldo Alckmin, do Ministro-Chefe da Casa Civil Rui Costa, do Secretário de Assuntos Institucionais Alexandre Padilha e do Secretário de Comunicação da Presidência Paulo Pimenta, Lula participa de reunião dos primeiros 100 dias de governo. Foto: Evaristo Sá/AFP
Ao lado do Vice-Presidente Geraldo Alckmin, do Ministro-Chefe da Casa Civil Rui Costa, do Secretário de Assuntos Institucionais Alexandre Padilha e do Secretário de Comunicação da Presidência Paulo Pimenta, Lula participa de reunião dos primeiros 100 dias de governo. Foto: Evaristo Sá/AFP

O fracasso deste governo porá em risco crítico a própria democracia. A única via de sucesso para Lula é a do salto da inovação e da qualidade, na política, no social, na economia e nos direitos humanos. Restaurar a democracia para seguirmos rumo ao futuro, não ao passado.

Isto tem tudo a ver com a diplomacia presidencial. Dependendo da forma e do conteúdo dos acordos bilaterais que Lula negocie, o caminho para a economia 4.0 do Brasil ficará mais plano ou mais acidentado. Esta nova economia já tem projetos maduros ou nas prateleiras das nossas universidades.

Projetos como o Amazônia 4.0 e o Amazônia 2030, produção de energia limpa, hidrogênio verde com energia eólica e solar, veículos elétricos para transporte público e de carga. Abrir caminhos e mercados e buscar financiamento para estes e outros projetos similares, pode dar conteúdo poderoso à diplomacia presidencial de Lula 3.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”. 

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