Conecte-se

Ideias

#POLÍTICA

O dilema da governabilidade no governo Lula 3.0

Não há espaço para Lula formar uma coalizão enxuta e com interesses mais homogêneos. Ele terá que fazer uma aliança grande demais e muito heterogênea. Ficará em modo de negociação permanente por cargos e salários

Sérgio Abranches , para Headline Ideias
#POLÍTICA23 de ago. de 236 min de leitura
Lula conversa com a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff (E), durante a cerimônia de lançamento do PAC, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em agosto 11 de janeiro de 2023. Foto: Mauro Pimentel/AFP
Sérgio Abranches , para Headline Ideias23 de ago. de 236 min de leitura

O governo Lula está destinado a ficar em estado permanente de negociação. O quadro pode melhorar se a economia continuar a reagir, aumentando emprego e renda, sem gerar inflação. Lula teria alguns ganhos de popularidade por seu desempenho macroeconômico que aumentariam um pouco seu poder de atração no Congresso. Mas a força do desempenho econômico tem diminuído com o aumento da intensidade dos conflitos de natureza identitária, religiosa e comportamental.

Lula está sob intensa pressão do centrão e do presidente da Câmara, Arthur Lira, para mudar o ministério e abrir espaço para partidos com votos no Congresso. Arthur Lira lembra, dia sim, outro também, que Lula tem 37 ministérios e 150 votos. Não consegue aprovar nem projeto de lei ordinária. É fato. Os partidos que pedem entrada no governo, diga-se, estiveram na derrotada coalizão eleitoral de Bolsonaro. Eles não sobrevivem no sereno sem a cobertura do governo.

Lula parece querer adiar ao máximo a mudança no ministério. Ele está sob fogo cruzado. Os partidos que estão no governo pressionam para ficar. A principal fonte de resistência, neste caso, é a parcela esquerda da coalizão que o elegeu, PT e PSB. Do outro lado, o centrão quer entrar logo e em muitos ministérios importantes para o desempenho do governo.

Lula já governou em coalizão e acompanhou os dissabores do governo Dilma com uma coalizão grande, heterogênea e complicada. Ele sabe que reforma ministerial cria muito descontentamento e não resolve, necessariamente, o dilema da governabilidade. A qualidade da governança é inversamente proporcional ao tamanho e heterogeneidade da coalizão. Quanto maior e mais heterogênea a coalizão, pior a governança e mais frágil a governabilidade.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem um ponto de corte no prazo para obter respostas do Planalto. Com a aprovação do arcabouço fiscal por larga margem de votos, a Câmara encerrou o pacote de medidas que fizeram parte do acordo político com Lula de apoio às questões relativas ao equilíbrio macroeconômico. A reforma tributária tem natureza diferente, não se entende como exclusivamente governamental.

O que se depreende dos recados, abertos e cifrados, que saem da Câmara dos Deputados é que para aprovar novos projetos Lula precisará ceder mais cargos e verbas orçamentárias. Coisa, aliás, que teve que fazer para que o arcabouço fosse votado, liberando as chamadas emendas pix. A exemplo do orçamento secreto, essas emendas não têm muita transparência.

O problema é que o ganho de cada adesão à coalizão de governo é decrescente. Os partidos que postulam entrada no ministério, todos do centrão, são aglomerados de lideranças estaduais, sem qualquer orientação programática e que atendem a numerosas e heterogêneas clientelas. Mesmo os que se comportam como donos dos partidos, caso de Marcos Pereira e Ciro Nogueira, não têm liderança sobre todas as facções em seus partidos. Eles têm que negociar internamente para manter o comando do partido e sabem que uma parte dele ficará na oposição.

Não há fórmula adequada para atender ao mosaico de interesses abrigados nesses partidos confederados. Em muitas questões os interesses serão conflitantes, dividindo os votos desses partidos. No nosso federalismo heterogêneo e desigual, os interesses expressam partes diferentes e desiguais que estarão em desacordo dependendo do tema.

A coalizão já enfrenta problemas com partidos que estão no governo, como o União Brasil. Não são capazes de dar todos os seus votos a projetos do governo, nem quando estão em relativa paz interna. Agora, por exemplo, o União está novamente em crise, provocada pelo confronto entre o DEM, de ACM Neto, e o PSL, de Antônio Bivar, os dois partidos que se fundiram para formá-lo.

A legenda, que nasceu bifronte, não conseguiu, e não conseguirá, resolver sua crise de dupla identidade antes de 2026. As eleições parlamentares serão o teste decisivo para a sobrevivência do partido e para determinar a força relativa de cada um dos grupos que o compõem, o tradicional, que vem do PFL/DEM, e o oriundo do PSL, cujo crescimento se deu na extinta onda Bolsonaro.

A composição do Congresso, fragmentada em bancadas médias e pequenas, não oferece espaço para coalizões mais enxutas e homogêneas. Não há outro caminho para Lula se não o de uma coalizão inchada e internamente disparatada. Ganhará pouca margem com a mudança ministerial, mas ela se tornou inevitável e começa a se mostrar inadiável. Há muita irritação com o adiamento sistemático das trocas de ministros pelo presidente Lula.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (C), entre o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (D), e o ministro da Casa Civil, Rui Costa (E), que se cumprimentam em visita ao canteiro de obras do novo prédio do Instituto Brasileiro de Matemática Pura e Aplicada (IMPA TECH) no Rio de Janeiro, em 10 de agosto de 2023. Foto: Mauro Pimentel/AFP
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (C), entre o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (D), e o ministro da Casa Civil, Rui Costa (E), durante visita ao canteiro de obras do novo prédio do Instituto Brasileiro de Matemática Pura e Aplicada (IMPA TECH), no Rio de Janeiro, em 10 de agosto de 2023. Foto: Mauro Pimentel/AFP

A mudança não produzirá maiorias estáveis. Os dilemas da governança e da governabilidade persistirão. Talvez faça mais efeito Lula mexer na estratégia de articulação política e estabelecer critérios transparentes de atendimento de demandas por cargos e verbas. A falta de transparência não é ruim apenas para a democracia. Ela gera rumores e atritos no Congresso. A luta por recursos escassos é intensa e os vários grupos em competição por emendas e cargos plantam boatos, versões e manifestam mágoas, sempre em busca de capturar a atenção do presidente e seus ministros.

A intensidade das pressões aumentará neste segundo semestre e, mais ainda, no primeiro semestre do ano que vem, porque esses recursos são fundamentais para as eleições locais de 2024. Agora é a hora de transferir verbas para os prefeitos das bases dos parlamentares, garantindo a mobilização e lealdade dos cabos eleitorais. As disputas locais têm muita importância na determinação da chance de renovação dos mandatos parlamentares ou de vitória daqueles que pretendem concorrer aos governos estaduais.

#POLÍTICA
ARTHUR LIRA
LULA
GOVERNABILIDADE
CÂMARA DOS DEPUTADOS