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O arcabouço fiscal e a âncora política

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já tem o projeto de arcabouço fiscal, mas falta ainda ancorá-lo politicamente. A nova regra fiscal é a chave da porta para a política econômica e social do governo Lula 3

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#ECONOMIA15 de mar. de 236 min de leitura
O Ministro Fernando Haddad fala em coletiva de imprensa sobre a reoneração dos combustíveis, em Brasília, em 28 de fevreiro. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Sérgio Abranches, para Headline Ideias15 de mar. de 236 min de leitura

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já tem pronto o projeto de arcabouço fiscal, mas falta ainda ancorá-lo politicamente. O desenho das novas regras de responsabilidade fiscal foi desenvolvido sob um espesso manto de sigilo. Virou mistério comparável à identidade de Elena Ferrante.

Houve muitas declarações dizendo que combinará três critérios, o crescimento da economia, o déficit primário e a trajetória da dívida pública. Mas, convenhamos, há uma gama de possibilidades técnicas para se criar um modelo baseado nesses três parâmetros. Continuamos sem saber qual será o arcabouço fiscal e como o governo Lula 3 vai calibrá-lo.

Segredo guardado no cofre

Este segredo todo, segundo Haddad, tem razão de ser. Ele quer que o projeto seja conhecido da forma mais adequada para evitar especulações e bombardeio precoce. A outra razão para guardá-lo no cofre é que Haddad precisou negociá-lo internamente. Com os ministros da área econômica ampliada, que são vários. Vão desde o Planejamento até Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a cargo do vice-presidente Geraldo Alckmin.

Ontem, 14, ele foi apresentado a Alckmin, na sua dupla função, de ministro da área econômica, que tem falado muito com empresários de todos os setores, e de vice-presidente, para ajudar na articulação política do projeto. Alckmin parece ter ficado satisfeito, porque já saiu em defesa dele no mesmo dia. Para completar a costura interna, faltava a palavra final do presidente Lula. Fernando Haddad encontrou-se com o presidente hoje, 15, fora de agenda, para apresentar-lhe a conclusão do novo arcabouço fiscal.

Uma vez negociado internamente, persuadidos os companheiros de ministério e, principalmente, o presidente, Haddad vai costurar o apoio no Congresso com os dois presidentes, Arthur Lira, da Câmara, e Rodrigo Pacheco, do Senado, e com os líderes dos partidos. Não escrevi partidos da coalizão, porque o próprio Haddad disse que pretende conversar com a oposição. Tem conversa possível.

O deputado Silvio Costa Filho (Republicanos/CE) disse à GloboNews que seu partido, que não está na coalizão governista, apoiará os projetos da área econômica, tanto o arcabouço, quanto a reforma tributária. Ele contou, ainda, que perto de 100 deputados oposicionistas estão inclinados a apoiar a proposta do governo.

Depois dessa costura toda, pelo que se depreende da entrevista de Haddad em evento dos jornais O Globo e Valor, ancorado por Míriam Leitão e Fernando Exman, uma vez fechado e negociado, o projeto ficará sob a responsabilidade do ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa.

Haddad disse que, terminada a etapa de apresentação e convencimento da sua proposta, sua tarefa estará concluída. Não é bem assim. Ele terá que se envolver no corpo a corpo para aprovar o arcabouço fiscal, nas duas Casas do Congresso, e evitar que seja desfigurado pelo centrão. O papel de centralização de projetos do Chefe da Casa Civil, muito pouco funcional, foi determinação de Lula, reiterada em reunião com os 19 ministros da área social do governo.

Aprovar não será fácil, mas é provável

Não será uma tarefa simples aprovar o projeto, exatamente porque todos sabem que ele é chave para o restante do mandato de Lula. Para ser bem sucedido, o governo precisa aprovar uma proposta que seja tecnicamente sólida e convincente.

O desenho do arcabouço não saiu apenas da prancheta de economistas historicamente ligados ao PT. Houve contribuições técnicas relevantes de economistas independentes, o que ajuda a fortalecer sua credibilidade e ampliar sua sustentação na sociedade. O mercado, ainda contaminado pela mentalidade do governo Bolsonaro, tem ampla maioria ideologicamente hostil a tudo que venha com a assinatura de Lula. É o que mostra pesquisa da Genial/Quaest, divulgada hoje. É verdade, contudo, que há importantes lideranças do mercado financeiro, que pilotam carteiras bilionárias e rentáveis e mostram mais boa vontade, principalmente com a equipe de Haddad.

Haddad tem bons trunfos na negociação de sua proposta. O desenho técnico foi concebido para ser uma política permanente, que funcione tanto em governos conservadores, quanto em governos progressistas. Ou seja, com maior ou menor ajuste fiscal. Outro trunfo importante vem das incertezas da crise bancária. Se o Congresso desfigurá-lo, comprometendo sua consistência técnica, será responsabilizado pela deterioração das expectativas e pela manutenção por muito mais tempo da taxa de juros no patamar asfixiante em que se encontra. As consequências econômicas de um desmazelo político-clientelista certamente atingiriam seus redutos e municiariam seus adversários para lhes capturar eleitores.

O mais provável é que o governo tenha que gastar energia e concessões negociando, mas as chances de rejeição ou desvirtuamento do projeto são muito pequenas. O desfecho mais plausível é que se tenha o arcabouço fiscal em vigor, em algum momento no próximo trimestre. Em um país no qual toda culpa é terceirizada, ninguém vai querer ficar na posição de vilão econômico. Isso não quer dizer que no campo da retórica política não vá haver ataques ácidos ao projeto do governo. Aquela parte da oposição menos relevante, na extrema-direita, vai recrutar seus economistas ultraliberais para criticar e combater o projeto. A oposição que não permanece mesmerizada por Bolsonaro pode fazer barulho, mas não irá atrapalhar a tramitação do projeto.

Um guarda de segurança olha pela porta enquanto os clientes fazem fila na sede do Silicon Valley Bank em Santa Clara, Califórnia, em 13 de março. Foto: Noah Berger/AFP
Um guarda de segurança olha pela porta enquanto os clientes fazem fila na sede do Silicon Valley Bank em Santa Clara, Califórnia, em 13 de março. Foto: Noah Berger/AFP

Sentido de urgência com crise bancária dos EUA

A crise bancária nos EUA, cujo desfecho ainda não é previsível, ajuda a criar o sentido de urgência na aprovação do novo arcabouço fiscal. Os bancos afetados inicialmente, Silicon Valley Bank (SVB) e Signature Bank, eram menores, regionais e de nicho. Especializados em financiamentos de venture capital, estavam fora do escopo da regulação bancária posterior ao colapso das subprimes em 2008. Neste sentido, não são peças sistêmicas relevantes.

Mas, o derretimento hoje, 15, das ações do Crédit Suisse pode indicar que, mesmo em um subsistema lateral, teriam capacidade de contaminar o sistema bancário principal, remexendo dúvidas sobre sua integridade. A economista Monica de Bolle, disse ao Jornal das 10 da GloboNews que no Petersen Institute, em Washington, do qual faz parte, há economistas que ocuparam postos de direção no Fed americano, nos bancos centrais Europeu, israelense e Japonês, e não há consenso entre eles sobre a profundidade e extensão desta crise. A incerteza é outro argumento importante para que se ancore as expectativas, muito negativas já no Brasil. Tudo isto cria um clima de urgência e necessidade que ajuda o arcabouço fiscal a passar incólume pelo Congresso.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”. 

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