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Novo e velho no governo Lula

O desafio de Lula será como tratar o que há de novo e de velho em seu governo, para chegar a uma agenda compatível com a contemporaneidade

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLÍTICA4 de jan. de 236 min de leitura
Lula abraça José Sarney durante a posse do vice, Geraldo Alckmin, como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Foto: Evaristo Sá/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias4 de jan. de 236 min de leitura

No governo Lula há ministros cuja visão e experiência estarão pela primeira vez representadas formalmente na formulação oficial de políticas públicas. É o caso de Sílvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, e Ana Moser, ministra do Esporte. Sílvio Almeida pôs no centro de sua agenda a visibilidade e valorização dos segmentos excluídos, discriminados ou que foram destituídos de suas políticas por Bolsonaro, em discurso forte e relevante. Anielle Franco vem diretamente da militância feminista e antirracista, saindo do Complexo da Maré para a Esplanada dos Ministérios. Há perfeita integração entre a pauta de Sílvio Almeida e a de Marielle, que coincidem também com a de Cida Gonçalves, no ministério das Mulheres, e de Margareth Menezes, no ministério da Cultura. Marina Silva atualizou sua visão, em permanente interação com os setores que resistiram à operação desmonte que devastou o campo ambiental. Diversidade, em todas as dimensões, e sustentabilidade serão transversais, desta vez não apenas nas intenções. Haverá secretarias para tratar desses dois temas, como orientação de governo, em todos os ministérios.

No ministério da Saúde, Nísia Trindade representa o primado da visão científica de ponta e do conhecimento atualizado sobre políticas públicas para saúde. A Fiocruz não é um centro exclusivamente de excelência na pesquisa científica e desenvolvimento de tecnologias no campo dos fármacos e vacinas. É um respeitado centro de formação e pesquisa sobre políticas de saúde pública. Esta foi a concepção vitoriosa de Sérgio Arouca, um dos grandes pensadores da saúde pública no Brasil. Nísia não terá dificuldade alguma em se associar às pautas centrais do governo Lula 3, muito pelo contrário. Conheço Nísia Trindade desde seus tempos de estudante de pós-graduação e sei que ela compartilha integralmente os valores da diversidade e da responsabilidade climática e ambiental. Até porque ambas têm forte fundamento sociológico e científico.

Mas, o governo Lula 3 tem ministros com visão muito retrógrada também. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, embora em seu discurso tenha dito que ele e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estão do mesmo lado, é fundador da bancada ruralista e foi relator da medida provisória da grilagem. Quem comparar entre a plateia diversa na posse de Marina Silva com a de homens engravatados na posse de Fávaro terá uma medida da distância entre os dois. Em seu discurso, o ministro disse verdades. Uma delas foi que o "Brasil se tornou pária no desrespeito ao desmatamento, ao meio ambiente, à condição de produzir com sustentabilidade. Esse é o maior desafio: reconstruir pontes com a comunidade internacional". Outra, que o país está matando a galinha dos ovos de ouro, quando opõe produção e preservação ambiental. Mas terá que demonstrar na prática, na sua atuação política no governo, que atuará em sintonia com a política ambiental e de combate ao desmatamento. Terá que mostrar concretamente que irá "abrir a porta para o desenvolvimento sustentável da produção brasileira. Um grande programa de crescimento de área plantada, sem derrubar uma área sequer, gerando renda, emprego, fartura de alimento, vocacionada aos pequenos, médios e grandes produtores". No seu caso, a prática demanda prova concreta de mudança de atitude porque a biografia o põe do outro lado, dos inimigos do meio ambiente.

Outro ministro que assumiu olhando pelo retrovisor foi Carlos Lupi, presidente do PDT. Ele propôs uma contrarreforma da Previdência. Ele mostrou desconhecer os desafios contemporâneos na área da previdência e da assistência social. O maior problema, hoje, é dos trabalhadores avulsos, aqueles que não mantêm vínculo formal e permanente, porque seu trabalho é móvel. Não é o trabalhador informal de baixa qualificação. Esse trabalhador itinerante executa serviços por tarefa para diferentes empresas, sem vínculo empregatício. Há, no Brasil, uma ideia errada sobre o que seja um empreendedor. Certamente não é quem não consegue emprego e resolve vender algum produto ou serviço, sem estrutura, capacidade gerencial ou de inovação. Também não é um profissional de alta qualificação, que exerce atividade de ponta, que foca apenas na sua atividade e não deseja ser empresário, nem trabalhador com carteira assinada. Se ele conversar com seu colega de ministério, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ficará sabendo que nem todos hoje, no Brasil, têm como objetivo um emprego formal. Mas, para eles, a previdência privada é cara demais. Vivem por conta própria, sem proteção social e sem perspectiva de renda futura.

A promessa de contrarreforma da Previdência foi prontamente desautorizada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa. Ele disse que “não há nenhuma proposta sendo analisada ou pensada neste momento para revisão de reforma, seja previdenciária ou outra. Neste momento não tem nada sendo elaborado“. Não teria dito isso sem anuência do presidente Lula. O ministro Alexandre Padilha, da Articulação Política, reafirmou seu colega, para reforçar que o governo não cogita mexer na Previdência.

Pautas incompatíveis

Mas, não são tropeços de um governo no começo, como disse o ministro Padilha. São desencontros provocados por pautas incompatíveis e perspectivas opostas. Uns têm os olhos no horizonte de possibilidades futuras. Os outros olham para o retrovisor, para um mundo que desaparece em alta velocidade, com as mudanças estruturais do século XXI.

Lula teria esse tipo de problema de qualquer modo, mesmo se as escolhas de nomes fossem diferentes. Como é um governo da frente democrática, tem no ministério não apenas um espectro ideológico muito amplo e heterogêneo e representantes da sociedade unidos pela democracia. O presidente e os ministros Rui Costa e Alexandre Padilha terão que trabalhar duro para aproveitar o que a heterogeneidade tem de virtude pela diversidade de visões de mundo e, ao mesmo tempo, manter a sincronia das decisões e aparar as muitas farpas e arestas que resultarão dessa convivência.

Na posse de Marina Silva, o ministro Rui Costa deu um recado político nesse sentido, ao dizer que a Casa Civil incluirá o ministério do Meio Ambiente desde o início na concepção dos projetos e não ao final, como tem sido, para verificar sua conformidade. Disse que cuidará para que a política ambiental e climática seja transversal e oriente todas as políticas do governo. Marina Silva, em seu discurso de posse, pôs ênfase na transversatilidade e na cooperação. Ressaltou a incorporação da questão climática e ambiental no programa de reindustrialização, presente no discurso de posse do vice-presidente Alckmin. E alinhou-se à pauta da diversidade social e dos direitos humanos na linha do pronunciamento de Sílvio Almeida. Estava, como ela costuma dizer, "liderando pelo exemplo".

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”.

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