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Muito barulho por nada
Tributação de gasolina é assunto trivial, mas virou tema de fogo amigo do PT. Enquanto isso, coalizão de Lula vacila e presidente perde energia com questões menores
Sérgio Abranches, para Headline IdeiasGasolina é fóssil. Tem que ser tributada e seu uso desincentivado. Está na hora de levar a sério a transição energética. A mudança climática já bateu à nossa porta. Não dá para brincar. O governo estaria em melhor posição discutindo a desoneração de veículos elétricos.
O episódio da reposição da tributação sobre combustíveis fósseis virou uma novela de erros. O PT, por meio de suas principais lideranças, adotou posição contrária à expressa pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. Dizia defender a popularidade do presidente. Pobre popularidade, se dependesse de uns centavos no preço de combustíveis fósseis. Um erro político e programático.
Uma questão que deveria ser resolvida sem muita discussão, virou uma disputa, teve reuniões com o presidente da República, envolveu a Petrobrás indevidamente, porque é o seu produto que estava em questão. Deu à ela acesso a informações que as demais empresas do setor não tiveram. Acabou em coletiva de dois ministros.
Barulho demais por nada. Tratava-se apenas de cancelar uma decisão demagógica e eleitoreira do anterior ocupante, incidental e incapaz, da presidência. Devia ser objeto de despacho de rotina e virou um grande problema, com repercussões no Congresso e na imprensa.
A coalizão de sustentação do governo Lula, que parecia sólida e ampla, vacila. O presidente deixou de falar como representante de uma frente e partidarizou o seu discurso. O PT, que deveria ser a base de apoio das ações do governo, para isto tem a presidência da República, age como mais um demandante na coalizão. Lula e seus companheiros de partido e governo têm experiência suficiente para calibrar melhor suas ações. A gravidade do momento pede ações mais refletidas e estratégicas do governo.
O elemento desestabilizador
Governos de coalizão não são simples. Ou, se preferirem, todo governo é complexo, os governos de coalizão são mais complexos e o governo Lula 3 tem mais complexidade que os anteriores. O Brasil está fracionado. A sociedade está traumatizada pela combinação terrível de dois anos de pandemia mal administrada e fatal, desemprego, inflação alta e tensão política. Um governo que transforma em eventos críticos questões menores de gestão rotineira não ajuda a melhorar o clima social.
Uma das complexidades de governos de coalizão é que eles precisam de um partido âncora perfeitamente alinhado com o governo, que defenda todas as suas decisões. É o sinalizador de força presidencial que atrai para o alinhamento os demais parceiros na coalizão. Esta âncora só pode ser o partido do presidente. Se ele se torna um elemento desestabilizador, incentiva os demais partidos a elevar o nível de exigências. Partido-âncora desalinhado enfraquece politicamente o presidente.
Voltemos à questão da reposição dos tributos retirados pelo demagogo na busca frustrada da reeleição. Onerar a gasolina, o querosene de aviação e o diesel e dar tratamento diferenciado ao etanol e ao biodiesel é a política correta de qualquer governo progressista, que tenha compromisso com a mitigação da mudança climática, com o bem-estar da população e com o combate às desigualdades.
Quando se subsidia a gasolina, se beneficia aqueles que trafegam pelas avenidas e ruas das cidades brasileiras em seus automóveis, sem sequer olhar para as populações de rua, sem teto, sem renda e sem comida que ocupam as calçadas. Quem subsidia o diesel contribui para sobrecarregar o SUS e todo o sistema de saúde com o tratamento de doenças respiratórias e cardiovasculares provocadas pela poluição do ar. Para o que contribui, também, a gasolina. Gasta-se algo como um bilhão de reais por ano para tratar as pessoas adoecidas pela poluição do ar.
Combustíveis fósseis – o erro
O combustível fóssil subsidiado nega o compromisso redistributivo dos progressistas. Contribui para dificultar a compatibilidade entre a política social e a responsabilidade fiscal. Nega os compromissos climáticos e ambientais, hoje indissociáveis de uma agenda progressista.
Se o governo agisse com normalidade, de acordo com os compromissos assumidos com a frente democrática, fiel aos imperativos redistributivistas do presidente e buscando dar à coalizão sinais de coesão, coerência e força política, Fernando Haddad nem precisaria despachar com Lula para que ele assinasse a MP da reposição tributária.
Haddad, na sua coletiva, desnecessária em situação de normalidade governamental, deu a razão de fundo para a decisão. Foi um ato demagógico e eleitoreiro de um sujeito tentando desesperadamente evitar sua inevitável derrota eleitoral. Portanto, não tinha fundamento econômico, social ou de qualquer outra natureza legítima.
A preocupação com o impacto inflacionário deveria ser descartada e mitigada com a apresentação, o mais rápido possível da nova âncora fiscal. Contribuiria para reduzir a pressão sobre o câmbio e melhorar as expectativas, com impacto favorável sobre o preço de todos os produtos chamados "tradables", cujos preços domésticos são afetados pelo câmbio.
A popularidade conquistada com expedientes de má política pública é efêmera. Ela se esvai pelos efeitos negativos das sequelas da decisão mal formulada. A popularidade de Lula depende da melhoria da redução da pobreza e da fome e da melhoria das condições gerais de vida da população. Usar o dinheiro a ser arrecadado para financiar as políticas de proteção social, o aumento do salário mínimo, por exemplo, faz muito mais sentido para a popularidade do presidente, do que facilitar o uso do carro particular pelas classes média e alta.
Não é uma boa estratégia diante da imensidão de problemas que o governo herdou.