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Lula, entre o pessoal e o institucional

Ao escolher o nome para a PGR, presidente pode repetir Bolsonaro e fazer escolha personalíssima ou fazer uma escolha institucional exemplar que devolva autonomia ao MP

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
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Lula durante reunião de relançamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, no último dia seis. Foto: Cláudio Kbene/PR
Sérgio Abranches, para Headline Ideias12 de jul. de 237 min de leitura

Em entrevista recente o líder do PT no Senado, o experiente Jacques Wagner, reforçou o balão de ensaio lançado pouco antes sobre a possibilidade de recondução de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República. Disse que era preciso reconhecer o mérito de Aras no desmonte da Lava Jato. Não me lembro de declaração mais infeliz do senador Jacques Wagner. A ideia em si de Lula manter o PGR de Bolsonaro já é péssima. Fazê-lo sobre a Lava Jato, piora mais.

Augusto Aras não teve mérito algum em desmontar a Lava Jato. O que ele atacou foi a autonomia e a iniciativa do Ministério Público como um todo. Foi parte ativa da ação de Bolsonaro e seus asseclas no desmonte dos mecanismos de freios e contrapesos da democracia. Bolsonaro e Aras trabalharam juntos contra a institucionalidade da democracia brasileira. Entre procuradores do Ministério Público Federal circula a lista múltipla dos feitos do PGR para inibir, cercear e dificultar o cumprimento de suas missões constitucionais.

A Justiça está cuidando de reparar e punir os erros da Lava Jato. Escolher por decisão personalíssima, como fez ao nomear seu advogado pessoal para o Supremo Tribunal Federal, seria um erro mais grave. O STF é um colegiado, a intersubjetividade ajuda a equilibrar mais as decisões. A Procuradoria Geral é cargo único e indivisível, a discricionariedade de um procurador geral é determinante para o desempenho de toda a instituição.

Escolher pensando em reparação pelos erros da Lava Jato não ajudaria nem à democracia, nem ao princípio fundamental do devido processo legal.

Os demolidores

De todos os erros, cogitar o nome de Augusto Aras é o menor, mas não deixa de ser grave. Ele hipotecou a Procuradoria Geral da República ao projeto de Bolsonaro e à sua vaidade pessoal. Foi capaz de desver tudo que era visível nos desmandos de Bolsonaro.

Fechou os olhos para as atrocidades na pandemia. Não percebeu a ordem para que o Exército produzisse cloroquina em massa a ser distribuída criminosamente como preventivo da Covid. Uma mentira que induziu muitas pessoas a não buscar tratamento. Ainda não se conseguiu contar quantas mortes este desmazelo com a saúde causou. Não viu as medidas protelatórias na compra de vacinas. Mais mortes incontáveis. Virou os olhos para não enxergar o sofrimento do povo de Manaus por falta de oxigênio, porque o governo federal desprezou o alerta de que os estoques acabariam e não providenciou remessa a tempo de salvar vidas que foram perdidas.

A omissão de Aras contribuiu para que Bolsonaro fizesse o que queria. Quantas vidas foram perdidas pelas ações e omissões do então presidente e seus ministros da Saúde? O silêncio do PGR foi eloquente sinal de omissão do dever.

Questão de Estado

Do ponto de vista democrático, o pior argumento sobre a possibilidade de Lula reconduzir Augusto Aras é que se trataria de decisão quase pessoal. Não devia ser. Só poderia ser uma escolha institucional, pensando na democracia, nos direitos indisponíveis, no fortalecimento do devido processo legal, na justiça ambiental — coisa que Aras jamais fez.

Lula anda esquecido do que disse na campanha. Disse que não faria um governo personalista. Que o seu terceiro governo não seria do PT, mas da frente democrática que o elegeu. Que voltava para defender a democracia. Pois a nomeação do Procurador Geral da República é um dos momentos críticos em que deveria levar o que disse a sério. É uma escolha institucional e não pessoal. A prerrogativa não pertence a Lula, mas à Presidência da República. A escolha do PGR é uma questão de Estado, do estado democrático de direito.

O Ministério Público é uma instituição fundamental para a democracia. É o defensor dos interesses difusos, do meio ambiente, da boa gestão dos recursos públicos, da democracia. Vale lembrar que os interesses difusos pertencem a crianças e adolescentes vítimas de abusos e violências, indígenas, negros vítimas do racismo estrutural, mulheres brancas, negras e indígenas vítimas de assédio, violência física e sexual, entre muitos outros.

Não custa lembrar o que diz a Constituição sobre o Ministério Público: é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É neste papel essencial que Lula deveria pensar ao nomear alguém da carreira para a chefia do MP.

A Constituição não diz que a pessoa no exercício da Presidência tem a prerrogativa de escolher e nomear o Procurador ou Procuradora Geral da República. Diz que o procurador-geral da República será nomeado pelo presidente da República dentre integrantes da carreira, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal. É um processo eminentemente institucional, pelo qual o presidente indica o nome ao Senado, que deve aprová-lo e só após a decisão da maioria absoluta do Senado o presidente pode nomeá-lo. Nada tem neste processo de pessoal.

A lista democrática

Foi o presidente Lula o primeiro a escolher um nome da lista tríplice, formada pelo voto dos integrantes do Ministério Público. Uma decisão que fortaleceu a autonomia institucional do MP. Deveria fazê-lo novamente. Bolsonaro, além de desconsiderar a lista, nomeou um procurador da velha carreira, na qual a fronteira entre o público e o privado era tênue, pois o procurador podia exercer a advocacia privada em concomitância. Lula faria bem se continuasse a seguir a lista.

O ex-procurador geral da República Cláudio Fonteles tem defendido a lista com um argumento importante. Ela fortalece a independência constitucional do Ministério Público e esta é essencial ao cumprimento da função de defender o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Ele tem razão. O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, ANPR, que organiza a elaboração da lista, Ubiratan Cazetta, diz que a lista tríplice é "antídoto para as escolhas antirrepublicanas". Ele também tem razão.

A lista legitima o Procurador Geral, pois o nome escolhido foi votado pelos integrantes do Ministério Público, após intensa e democrática campanha. Aras dizia na sua campanha que a lista era corporativa. Para ser indicado por Bolsonaro, porém, ele não fez campanha entre seus pares e sim nos corredores do poder. A partir do momento em que a Constituição manda que o nome escolhido pertença à carreira do MP, ela torna este cargo corporativo por definição. A campanha competitiva entre os pares faz com que, embora corporativa, não seja corporativista.

A lista que será apresentada ao presidente Lula contém o nome de três procuradores com reconhecidos serviços prestados ao país no cumprimento das missões constitucionais do Ministério Público. Todos têm profundo conhecimento sobre a missão do MP na defesa dos direitos sociais, humanos e individuais.

O presidente Lula não erraria se escolhesse um deles. Ao contrário, reforçaria seu propósito de restaurar a democracia fortemente abalada pelo governo autocrático de Bolsonaro. Um governo que demoliu instituições agências estatais cruciais para a defesa dos chamados interesses indisponíveis, porque intangíveis, com a ajuda do atual PGR.

Dois caminhos

O presidente Lula pode escrever uma história de restauração e avanço institucional da democracia brasileira. Neste processo, pode ter um papel histórico sem precedentes na reconstrução democrática e na criação de novas defesas para democracia brasileira.

É ao ataque à democracia por dentro que Lula deve responder. Ele se deu pela ação de um presidente sem decoro, sem respeito pelas instituições ou pelo povo e que sempre agiu de forma personalíssima, desrespeitando a natureza pública e nobre do cargo de Presidente da República. Na defesa de sua zaga, desvendo tudo, esteve Augusto Aras.

Lula, ao escolher o nome para a Procuradoria Geral da República, tem dois caminhos. Repetir Bolsonaro e fazer escolha personalíssima e, até mesmo, escolhendo o mesmo nome que seu antecessor. Ou fazer uma escolha institucional exemplar que devolva autonomia e responsabilidade ao Ministério Público.

Custo a crer que Lula queira repetir Bolsonaro, seja no personalismo, seja no ataque à autonomia do Ministério Público. Não cabe dúvida que o melhor caminho para um presidente que se comprometeu a restaurar e ampliar a democracia seria o de aceitar a lista e dela retirar o nome para ocupar a Procuradoria Geral da República.

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