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Duas frentes opostas

Há duas frentes opostas em ação. Uma reúne os Três Poderes e defende a investigação e punição pelos ataques. Outra, ligada a Bolsonaro, convoca para a desordem civil e o golpe

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#POLÍTICA11 de jan. de 237 min de leitura
Força Nacional de Segurança monta guarda no Palácio do Planalto, em Brasília. O governo reforçou a segurança em torno dos prédios já atacados diante de outro protesto planejado por seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP
Sérgio Abranches, para Headline Ideias11 de jan. de 237 min de leitura

Em situações normais de temperatura política e pressão social era de se esperar que, após os eventos de violência política e vandalismo em Brasília no domingo e milhares de prisões, sobreviesse uma certa calmaria. Mas o que estamos vendo é a persistência das tensões provocadas por uma frente antidemocrática, com novas convocações para promover a desordem civil.

A frente democrática, hoje unida nos Três Poderes da República, se desdobra em ações para conter a desordem e punir seus responsáveis. De acordo com a administração penitenciária do governo do Distrito Federal, há 1028 pessoas presas. As investigações das polícias judiciárias, a Polícia Federal e a Polícia Civil do DF envolvem número ainda maior de pessoas, além daqueles que são os verdadeiros responsáveis pela invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, os autores intelectuais, que doutrinaram a turba e incitaram a violência, os financiadores, e os articuladores da frente antidemocrática.

Após longo e eloquente silêncio e ações coibindo iniciativas autônomas de procuradores para investigar essas ações, o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu investigação para responsabilizar os envolvidos nas invasões às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Ele também criou uma tardia Comissão de Defesa da Democracia no Conselho Nacional do Ministério Público, como se só agora houvessem começado os atos antidemocráticos. O PGR só quebrou o silêncio depois de muita pressão de subprocuradores gerais da República e da mídia, no rescaldo da devastação em Brasília.

Outro efeito da violência inédita contra o patrimônio institucional e cultural foi a maior unidade entre o Congresso, o Executivo e a Suprema Corte. A reunião, na qual senadores e deputados levaram formalmente ao presidente Lula o decreto legislativo que autorizou a intervenção na secretaria de Segurança do governo do Distrito Federal, foi de descontração e unidade. O presidente da Câmara, Arthur Lira estava descontraído como há muito não se via.

A oposição a Lula foi reduzida aos radicais da extrema-direita. A autorização da intervenção federal foi aprovada pela Câmara e pelo Senado em votações simbólicas, para demonstrar o apoio absoluto às medidas não apenas de remediação, mas também de investigação e punição. Parlamentares nunca agem em contradição com o sentimento de seus eleitores, que lhes são transmitidos por correligionários e cabos eleitorais em suas bases. Essa união de repúdio à violência política expressa o sentimento ultramajoritário da população.

No Supremo Tribunal Federal, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre atos antidemocráticos, determinou em medida cautelar o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) por 90 dias, a prisão em flagrante dos participantes dos atos de violência, do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do GDF, Anderson Torres. Emitiu ordem de prisão do ex-comandante da PM do DF, Fabio Augusto. A ordem já foi executada. Determinou, também, a desocupação imediata dos acampamentos em frente aos quartéis. Esses acampamentos, dotados de infraestrutura e suprimentos recorrentes, permaneciam desde o final das eleições em área de segurança militar, com a anuência implícita dos comandos militares.

Os acampamentos foram desmanchados e seus ocupantes devidamente identificados para posteriores investigações. A decisão do ministro Moraes foi aprovada pelo plenário eletrônico do STF por 8 votos a zero, até as 16H55 desta quarta-feira, 11. A votação, pelo regimento, deveria ser presencial, mas com o plenário físico destruído pelos invasores de domingo, a presidente Rosa Weber determinou que todas as decisões sejam tomadas no eletrônico, até a reforma do plenário físico.

Na frente pela democracia, portanto, o que se vê é a disposição unificada de agir com rapidez e firmeza em todas as instâncias. No Executivo, o ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal, e o interventor na Segurança do governo do Distrito Federal, Ricardo Capelli, levam adiante os inquéritos e as investigações para punir os extremistas. Trabalham também com as agências e os órgãos de inteligência na identificação de novos focos de desestabilização violenta da ordem e sua prevenção.

No Judiciário, o Ministério Público toca os inquéritos abertos na última hora e, no STF, o relator do inquérito sobre atos antidemocráticos, Alexandre de Moraes, amplia e endurece as medidas cautelares, com apoio praticamente unânime do Poder Judiciário e dos poderes políticos.

No Legislativo, além da aprovação célere e simbólica da intervenção na segurança do GDF, decretada pelo presidente Lula, o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, apoiou a instalação de CPI sobre os atos antidemocráticos, a ser instalada assim que o Congresso retome suas atividades em fevereiro, quando ele deverá ser reeleito. Os pedidos de CPI são dos senadores Soraya Thronicke (União Brasil/MS), Renan Calheiros (MDB/AL) e Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e já têm assinaturas suficientes para que o presidente do Senado determine sua instalação.

Na frente antidemocrática, Jair Bolsonaro, em Orlando, reacendeu os ânimos golpistas. Ontem, em tuíte logo apagado, escreveu que "Lula não foi eleito pelo povo, [foi] escolhido e eleito pelo STF e pelo TSE." É um truque conhecido. Tuíta, copia o print e apaga, para depois disseminar pelo WhatsApp e pelo Telegram. Atitude coerente com todas as suas manifestações antidemocráticas que culminaram com a violência em Brasília. É palavra de ordem para incitar os seguidores a manter a mobilização e repetir os atos de violência política e outras formas de desestabilização da ordem civil.

Os golpistas da extrema direita estão convocando novas manifestações em todo o país, forçando os governos a colocarem sistemas de segurança de prontidão. Há, também, uma convocação de paralisação geral para o dia 16. A palavra de ordem é "vamos tirar deles o poder de multar, prender e armar ciladas". Convoca os caminhoneiros a "recolher os caminhões", o agro para interromper o abastecimento e os empresários para fecharem suas empresas. "Pelo Brasil e pelos patriotas presos", "é agora ou nunca". Um plano de paralisação desse tipo tem por objetivo a desestabilização econômica, social e política do país, como derradeira medida para convencer os militares a saírem dos quartéis e tomarem o governo.

Um policial sai após conversar com o guarda-costas do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro do lado de fora de sua casa alugada no Encore Resort at Reunion em Kissimmee, na Flórida, em Miami. Relatos da mídia disseram que Bolsonaro havia sido internado no hospital de cuidados intensivos AdventHealth Celebration nos arredores de Orlando, Flórida, para onde o ex-presidente viajou dois dias antes do final de seu mandato em 31 de dezembro. A internação por dores abdominais ocorreu um dia depois que seus apoiadores invadiram os prédios dos Três Poderes em Brasília. Foto: Chandan Khanna/AFP
Policial sai após conversar com o guarda-costas do ex-presidente Bolsonaro na casa onde ele está em Miami. Bolsonaro havia sido internado num hospital nos arredores de Orlando, Flórida, para onde viajou dois dias antes do final de seu mandato. Foto: Chandan Khanna/AFP

As duas frentes avançam para um ponto no qual o confronto pode ser inevitável. A frente antidemocrática só será dissolvida com a prisão daqueles que, do nível superior, instigam, orientam e financiam o movimento golpista. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que muitos dos financiadores estão identificados. Pelo menos um dos suspeitos de serem arquitetos do golpe está com sua prisão preventiva decretada, o delegado da Polícia Federal Anderson Torres, que teve papel importante no governo Bolsonaro e ausentou-se de forma culposa do posto de secretário de Segurança do DF, na véspera do ataque à capital federal. O principal líder intelectual e político da frente antidemocrática é Jair Bolsonaro. Sem o indiciamento e o julgamento desses que foram o topo da frente antidemocrática, para serem punidos de acordo com o devido processo legal, não haverá condições para a plena normalização do processo político democrático no Brasil.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”.

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