Conecte-se

Ideias em foco

#INTERNACIONAL

Análise – As muitas faces de Milei, eleito presidente da Argentina

Futuro chefe de Estado oscila entre postura técnica e seu projeto de ultradireita. Tem falado amistosamente com figuras autoritárias como Bolsonaro e ditadores como Bukele

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#INTERNACIONAL20 de nov. de 235 min de leitura
Javier Milei faz seu discurso de vitória, na noite de domingo, 19 de novembro, em Buenos Aires. Foto: X/@JMilei
Sérgio Abranches, para Headline Ideias20 de nov. de 235 min de leitura

Javier Milei tem pressa. Já anunciou seu ministro da Justiça, o presidente do Banco Central, a chanceler e a encarregada da ANSES, a agência que cuida da previdência social. Revelou que logo viajará aos Estados Unidos e a Israel, pois sua política externa será de total alinhamento com os dois países. Ao falar sobre temas sensíveis como privatização da educação, saúde e previdência, a dolarização e o combate à inflação, deixou de lado os excessos ideológicos e falou dos obstáculos técnicos a serem resolvidos previamente.

Seu presidente do Banco Central, Emílio Ocampo, economista do think tank liberal americano Center for Strategic and International Studies (CSIS), será o dolarizador. Publicou, com Nicolás Cachanosky, "Dolarización: una solución para la Argentina" (Editorial Claridad, 2023), no qual defende a dolarização como arma definitiva contra a inflação. Hoje, 20 de novembro, dia seguinte de sua eleição, Milei falou com vários médios, anunciando nomes e calibrando promessas e declarações.

Sobre os controles do câmbio e a dolarização, disse que será preciso, antes de tudo, resolver o “problema de las Leliqs". São Letras de Liquidez com validade de uma semana exclusivamente dedicadas a entidades financeiras. Uma modalidade de dívida pública de curto prazo, que paga 60% de juros ao ano e cresceu explosivamente nos últimos anos chegando a quase US$ 1,2 bilhões, um pouco mais que 5% do PIB e quase 40% das reservas internacionais, segundo os últimos dados do Banco Central. Muitos dizem que o volume desta dívida é muito maior.

Segundo Milei, ele apresentará uma engenharia financeira que será aceita pelo mercado. O objetivo é que o cambio flutue o mais rápido possível. Sobre o combate à inflação, disse que com o choque monetário o resultado aparecerá em 14 ou 18 meses.

Na Previdência, a nova diretora da ANSES, será a deputada Carolina Píparo. Ela estará acompanhada de Juan Manuel Verón, que trabalhou na reforma do sistema previdenciário no México. Píparo foi candidata derrotada pelo partido de Milei ao governo da província de Buenos Aires. No pleito foi reeleito o amadrinhado de Cristina Kirchner, Axel Kicilof. Está totalmente alinhada com as ideias de reforma profunda e de mercado de Milei.

Milei disse que antes de pensar em qualquer mudança maior na ANSES é preciso cuidar dos grandes desequilíbrios do sistema. Esclareceu que a saúde e a educação não são privatizáveis, é uma questão das províncias e trabalhará com elas para definir seu destino.

Com relação às privatizações, carro chefe do projeto “de liberdade”, disse que será necessário recuperar o valor da petrolífera YPF antes de vendê-la. Disse que privatizará a Televisão Pública, a Rádio Nacional e a rede Telam de notícias. Transformaram-se em máquinas de propaganda de estado e é contra este uso.

Milei disse ainda que tem uma nomeação para vaga na Suprema Corte, que decidirá logo quem será em consenso com seu ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona. Fará o mesmo para escolher o nome do procurador geral. Cúneo Libarona, advogado criminal, ficou conhecido por representar empresários, políticos, artistas e desportistas famosos. É um personagem controvertido, de uma família tradicional de juristas. Envolveu-se no rumoroso caso  Cóppola, na década de 90, no qual estava envolvido o agente de Diego Maradona por narcotráfico. Defendeu os cunhados de Carlos Menem em inquéritos de narcotráfico e tráfico de armas. Em 1997, esteve preso um mês por causa do escândalo AMIA, relativo a um atentado à Associação Mútua Israelita Argentina.

Milei também definiu sua ministra das Relações Exteriores. O nome, já esperado, é o da economista Diana Mondino, que antecipou que defenderá profundas mudanças no Mercosul, nas relações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a redefinição no modelo de comércio exterior e mudanças profundas no ministério de Relações Exteriores, que ocupará. Ela está em sintonia com o alinhamento geopolítico proposto por Milei. Hoje pela manhã irritou-se com a imprensa que a assediava enquanto falava "com um presidente estrangeiro".

Milei moderado?

A imprensa argentina abriu hoje dizendo que Milei “moderou seu discurso”. Mas, até agora ele apenas especificou melhor o que entende como “novo regime de liberdade”. Seus planos se estendem para além de um mandato presidencial. Explica que se projeto de profunda mudança ocuparia duas ou três gerações.

Como garantir a continuidade deste projeto com governabilidade democrática, não disse. Mas sua candidata a vice afirmou ontem que seria preciso uma tirania para fazê-lo. Faz mais sentido. Seria um modelo Frankenstein com pedaços liberais e outras partes autoritárias e tendentes ao neofascismo. Lógico que o lado autoritário desmente e elimina o liberal, ainda mais o libertário.

Entre os dirigentes e figuras políticas com quem Milei falou diretamente, percebe-se sua vinculação à alt-right mundial e a ditadores. Falou, por exemplo, muito cordial e informalmente, com Jair Bolsonaro, que lhe disse que sua vitória era muito importante para Argentina e Brasil e para todos os democratas. Pode ser interpretado como uma ameaça, vindo de quem vem. Milei falou também com Nayib Bukele, o ditador de El Salvador.

Ouvi algumas das entrevistas de Milei e, embora usasse um tom de voz moderado e buscasse ficar mais nos argumentos técnicos, o subtexto continuava a ser de seu projeto de extrema-direita, ultralibertário, que provocará enormes conflitos. Disse muito pouco ainda sobre como pretende garantir a governabilidade para implementar suas ideias.

#INTERNACIONAL
AMÉRICA LATINA
ARGENTINA
MILEI
EXTREMA DIREITA