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Análise – Argentina: paradoxo e surpresa

O resultado das eleições deste domingo na Argentina desmentiram o favoritismo do candidato da ultra direita, Javier Milei e deram o primeiro lugar a Sergio Massa, o ministro de uma economia em crise. Os dois disputarão um segundo turno acirrado e imprevisível.

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#INTERNACIONAL23 de out. de 235 min de leitura
Sergio Massa, ministro da Economia de um país em crise econômica, terminou o primeiro turno à frente de seu principal concorrente, o extremista de direita Javier Milei. Foto: Comitê de campanha/Sergio Massa
Sérgio Abranches, para Headline Ideias23 de out. de 235 min de leitura

O resultado do primeiro turno das presidenciais argentinas surpreendeu pela votação expressiva de Sergio Massa, o ministro de uma economia hiperinflacionada. Surpreendente pelo paradoxo de sair como o mais votado o principal responsável pela gestão macroeconômica. É verdade que mais de 60% dos argentinos votaram contra o “oficialismo”. Ainda assim, foi uma vitória indiscutível para Massa.

Como explicar o paradoxo de que, na Argentina, o voto econômico não determinou o resultado das urnas? Há dois fatores importantes a considerar. O primeiro deles, o efeito-medo da candidatura de Javier Milei, que disputará o segundo turno com o candidato do justicialismo. Tanto Massa, quanto Patricia Bullrich, usaram a parte final da campanha para falar dos riscos representados por Milei para o futuro da Argentina.

Bullrich, candidata do partido do ex-presidente Mauricio Macri, Propuesta Republicana, embora sendo a principal derrotada, concentrou os votos que definirão o candidato vitorioso no segundo turno, em 19 de novembro próximo. Ela obteve quase 24% dos votos com a coalizão Juntos por el Cambio e são estes votos que Massa e Milei buscarão nas próximas semanas.

Os dois, em seus discursos de vitória, fizeram acenos aos partidos da coalizão Juntos por el Cambio de Bullriich, o Propuesta Republicana e a Unión Cívica Radical. Os republicanos elegeram 3 governadores e os radicais, 5. A coalizão também tem a chave da maioria parlamentar, controlando 117 cadeiras na Câmara de deputados. A chapa de Milei fez 36 cadeiras.

No Senado, como é tradicional, o justicialismo terá a maior bancada, chegando muito perto da maioria, com 31 dos 72 senadores.

Na cidade de Buenos Aires, Jorge Macri, do Juntos por el Cambio, ficou muito perto de se eleger prefeito, com mais de 49,5% dos votos.

O segundo fator que explica a votação de Massa é a máquina peronista e seu controle sobre meios de comunicação. As organizações do partido Justicialista e os sindicatos atuaram fortemente para mobilizar eleitores e estimular a participação especialmente dos mais velhos e e dos aposentados, entre os mais ameaçados pelas propostas privatistas de Milei.

Não se deve descartar, também, o estranho fato de um ministro da Economia ser candidato à presidência, continuando no cargo. Massa pôde usar artifícios como a distribuição de recursos de ajuda social, créditos para empresas e, além disso, decretar feriado bancário por cinco dias. Paralisou as atividades financeiras, por sete dias, com o fim de semana, para evitar uma valorização ainda mais acentuada do dólar.

Segundo turno

No segundo turno, Massa para vencer Javier Milei terá que capturar votos descontentes com o kirchnerismo e com o estado da economia. Um grande desafio.

Na noite deste domingo, muitos analistas perguntavam se esses 37% do voto não representariam o teto de Massa, diante do estado da economia e da hiperinflação. Certamente, o avanço de 10 pontos que ele conseguiu entre as PASO, as primárias, quando obteve 27% já foi um resultado surpreendente, no contexto macroeconômico das eleições.

Em seu discurso de vitória, Massa prometeu, se eleito, convocar um governo de união nacional, e lembrou aos radicais que são parte da coalizão de Bullrich os valores que compartilham.

Há, também, analistas que fazem a mesma pergunta sobre os 30% de Milei. Afinal, ele obteve praticamente 30% nas PASO.

Se esses 30% foram a crista da onda Milei, ela quebrará durante a campanha do segundo turno e ele não conseguirá avançar muito além desta marca.

Milei fez um discurso propondo o final da campanha de ofensas e já adiantou como buscará os votos de Patricia Bullrich. Disse que dois terços dos argentinos votaram contra a calamitosa situação da economia e da inflação e contra a corrupção do kirchnerismo.

Em seu discurso reconhecendo a derrota, Patricia Bullrich falou dos valores que defendeu sua coalizão, entre eles o combate ao populismo referindo-se ao peronismo e à corrupção e também criticou o estado da economia.

Milei, vitorioso no PASO, as primárias argentinas, passou em segundo lugar, mas pode contar com o apoio de grande parte do eleitorado de Patricia Bullrich. Foto: Luis Robayo/AFP

Do ponto de vista programático e ideológico, a coalizão Juntos por el Cambio de Bullrich tem maior proximidade com Milei do que com Massa. A distância entre o liberalismo conservador tradicional, de centro-direita de Bullrich e o ultraliberalismo, o capitalismo libertário como Milei o define é menor do que em relação ao peronismo.

Mas, Bullrich e os demais dirigentes dos partidos de sua coalizão não parecem ter a capacidade de transferir muitos votos. É bem provável que uma parte significativa desses eleitores fique indecisa e mais permeável à pregação dos dois candidatos vitoriosos durante a campanha para o segundo turno.

Milei, obviamente ganhou, mas decepcionou. Esperava-se que saísse em primeiro, com boa vantagem sobre o segundo, se não conseguisse a vitória no primeiro turno. Mas, ficou praticamente estacionado.

A máquina peronista superou-o em várias províncias em que saiu vitorioso nas PASO. O fato é que a eleição que verdadeiramente valeu foi a deste domingo e, nela, Milei não foi surpresa, nem prodígio.

Os dois candidatos terão que trabalhar muito duro para conquistar a presidência. Massa sai com uma vantagem de seis pontos sobre MIlei e da eficácia da máquina partidária demonstrada no primeiro turno, ao colocá-lo em primeiro lugar e com a chave do cofre do Tesouro.

Milei tem a vantagem de o voto a conquistar já ser de oposição ao “oficialismo" e sua maior proximidade ao campo liberal-conservador, a terceira força do primeiro turno.

A palavra mais repetida na cobertura da contagem de votos foi “incertidumbre" e a incerteza persistirá até o final da apuração do voto de 19 de novembro.

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