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Análise – A importância das diferenças

O brutal ataque do Hamas a Israel, matando civis indefesos, de todas as idades, foi um ato de terrorismo. O governo de extrema-direita de Israel, com apoio da extrema-direita americana, quer exterminar o Hamas a qualquer custo em vidas humanas

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#INTERNACIONAL11 de out. de 237 min de leitura
Gaza sob ataque: sem luz, iluminada pelos explosivos lançados por Israel na resposta aos ataques terroristas perpetrados pelo Hamas. Foto: UNRWA
Sérgio Abranches, para Headline Ideias11 de out. de 237 min de leitura

Antes que qualquer coisa minha solidariedade sentida a meus muitos amigos judeus que sofrem com a brutalidade e perderam entes queridos e amigos, extensiva a todo o povo judeu.

O brutal ataque do Hamas a Israel, matando indiscriminadamente civis indefesos, de todas as idades  não foi um ato de resistência, nem uma ação militar. Este tipo de crime não figura entre as formas legítimas de resistência ou liberação de território ocupado, inclusive com recurso à força das armas. A chacina de cidadãos israelenses, pegos de surpresa na celebração festiva do feriado, é um ato cruel e covarde. É um ato de terrorismo. Israel tem o direito à legítima defesa e também de fazer justiça. Mas não é admissível o governo de extrema-direita de Binyamin Netanyahu abuse desses direitos e sacrifique os palestinos da faixa de Gaza na tentativa de atingir o Hamas.

A faixa de Gaza é um território sob ocupação, densamente povoado, no qual a maioria nada tem a ver com o Hamas. Ao contrário, é tiranizada por ele. Israel mantém controle férreo sobre suas fronteiras, submetendo o povo palestino a duras e precárias condições de vida. Os palestinos são praticamente prisioneiros em seu próprio território, com difícil acesso a boa nutrição, serviços essenciais de qualidade e assistência médica. Os colonos impostos por Israel em território palestino também são parte dessa estratégia de ocupação “soft”. A ditadura do Hamas deixa-os sem alternativa.

Uma vez, um prisioneiro em uma dessas prisões absurdas do Brasil disse: “minha cabeça é a oficina do diabo”. Penitenciárias com prisioneiros empilhados, superlotação, em condições subumanas, tiranizados por facções internalizadas são celeiros do crime. Não há como sair de uma cadeia dessas se não mais violento e mais corrompido moralmente. A Gaza ocupada por Israel e tiranizada pelo Hamas se torna uma oficina de terroristas. É mais fácil estimular o ódio naquelas circunstâncias, do que a solidariedade. Alguns se deixam convencer pelos extremistas do Hamas e outros grupos fundamentalistas de que a solução é o extermínio do estado de Israel. A ação dos extremistas contra Israel fortalece a visão da extrema-direita israelense de que a solução é exterminar os palestinos.

Israel, ao retornar Netanyahu ao poder, se tornou refém da extrema-direita, desconsiderando seus erros seriais e a corrupção. Netanyahu dirige Israel há 20 anos rumo a um cul de sac do qual só se vê saindo pela violência. Neste momento, os funcionários mais ligados ao primeiro-ministro e os políticos da extrema-direita do partido Republicano nos Estados Unidos dizem a mesma coisa. A saída é exterminar o Hamas, desconsiderando as baixas civis, até mesmo de reféns tomados pelos terroristas.

O senador Marco Rubio, vice-presidente da comissão de Inteligência do Senado e expoente dessa extrema-direita dominada por Donald Trump, disse isto à CNN. Repetiu a declaração no Twitter, agora apenas X, como relatou o The Hill. Rubio disse que "Israel não tem escolha se não buscar a completa erradicação do Hamas em Gaza. Simplesmente não há solução diplomática ou possibilidade de uma resposta ponderada. Este esforço tragicamente necessário virá com um preço horrível.” Por preço horrível leia-se o massacre de palestinos e pesadas baixas no exército de Israel, dois terços dele formados por cidadãos convocados que deixaram suas atividades cotidianas. Mas os povos palestinos não podem ser responsabilizados pelos atos brutais do braço armado do Hamas.

O presidente Biden, em campanha eleitoral, rendeu-se ao argumento da extrema-direita. A única precaução em seu pronunciamento foi mencionar as regras de guerra. Não há a menor dúvida que Israel tem o direito de se defender, buscar reparação e fazer o possível para libertar seus reféns. Mas não ao “preço horrível” de outro massacre de civis do lado de lá. Não deve caber dúvida alguma sobre a atrocidade e a barbárie dos ataques do Hamas. Não há, até o momento, equivalência  Mas o povo palestino, não é responsável pela agenda extremista do grupo.

Agenda de Netanyahu

O problema é que a agenda de Netanyahu não levará jamais à paz. A agenda de terror do Hamas menos ainda. A única solução é negociar a possibilidade dos dois estados, Israel e Palestina, vivendo em paz, com fronteiras reconhecidas e dispostos a cooperar. Para esta remota possibilidade se tornar mais real, Israel tem que se afastar de sua ultradireita e demitir Netanyahu e os palestinos precisam se afastar dos extremistas que não se resumem ao Hamas. Este, é uma facção extremista, que tem um braço político organizado como partido, um braço religioso fundamentalista e um braço armado que executa ações terroristas. O braço político do grupo, com apoio nos outros dois, transformou Gaza em uma tirania, após ganhar a  maioria do Conselho Legislativo Palestino nas eleições de 2006. Assumiu o controle autoritário da Faixa de Gaza em 2007. A Autoridade Palestina ficou muito enfraquecida para negociar a solução de dois estados, embora seja o único interlocutor legítimo. 

Soldados israelenses posicionados em veículos blindados. Foto: Ömer Faruk Yıldız/ Pexels

O momento do ataque a Israel foi definido a partir dos erros de Netanyahu. Ele desguarneceu a fronteira com a faixa de Gaza e há indícios de que teria desconsiderado inteligência compartilhada pelo Egito de que se armava uma ação de grande porte. Netanyahu enfraqueceu o país, com sua tentativa de golpe, destituindo a Suprema Corte de poder, para se garantir a impunidade por seus atos de corrupção. Israel estava dividida pela metade, manifestações de massa de oposição a Netanyahu ocupavam as ruas de Tel-Aviv desde junho passado e se estenderam a Jerusalém em setembro.

Especialista em inteligência me asseguram que é improvável que os serviços de inteligência de Israel não tenham captado sinais de que algo estava sendo armado. Serviços de segurança prestam atenção às datas aniversárias marcantes. Não é possível que ninguém na área de segurança e inteligência tenha se lembrado dos 50 anos da guerra do Yom Kippur, quando Israel foi surpreendido por um ataque do Egito e da Síria. Desguarnecer a fronteira da faixa de Gaza e dar mais atenção à Cisjordânia deixou Israel desprotegida onde era mais provável a emergência de ações ofensivas. É provável que Netanyahu tenha desconsiderado compartilhamento de inteligência do Egito alertando sobre a possível preparação de uma ação de grande envergadura. Netanyahu é o principal responsável por vulnerar Israel e desprezar os alertas de risco.

A solidariedade na dor e o temor de novos ataques esvaziou as ruas, mas não eliminou a rejeição aos atos autocráticos e aos erros de Netanyahu. Há muita concordância entre analistas em Israel e mundo afora com o editorial do importante jornal Haaretz que culpou o primeiro-ministro pelo ataque. Netanyahu perdeu as condições para se manter no governo. Seu chamado de um governo de união e emergência não foi respondido de imediato, porque ele não tem credibilidade quer o apoio incondicional da oposição.

Netanyahu é um demagogo, enganador, que tem convicções fundamentalistas, não no campo da religião, mas da mentalidade autoritária. Ele tem o mesmo perfil de outras lideranças da extrema-direita mundial. Sairá batido deste episódio, sem condições de permanecer no poder. Não continuará, a não ser destruindo a democracia de seu país. 

Israel merece a chance de viver em paz e democraticamente. Há entre suas lideranças políticas e intelectuais muitas vozes que desejam a paz e apontam caminhos seguros para a negociação dos dois estados. No mundo árabe, a maioria dos países apoiaria esta negociação. O principal obstáculo, hoje, são os extremistas internos e externos. Internamente, o principal deles é Netanyahu.

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