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Crônica

#Pelé

A descoberta do Brasil por Pelé

Houve uma época que ninguém no mundo sabia do Brasil, apenas que era a terra de Pelé

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#Pelé29 de dez. de 224 min de leitura
Pelé relaxa em uma piscina após jogo da Copa do Mundo do México. Foto: Divulgação FIFA
Sérgio Abranches, para Headline Ideias29 de dez. de 224 min de leitura

Quando saí pela primeira vez do Brasil, no final de minha adolescência, o Brasil era desconhecido pelo mundo. Mas, ao dizer que era do Brasil, imediatamente recebia como resposta, Pelé. Um garoto genial de 17 anos, ao nos dar nosso primeiro campeonato mundial de futebol, havia descoberto o Brasil para o mundo.

Tenho pena das gerações que não viram Pelé jogar. Não sabem como o futebol pode ser espantoso, como um indivíduo é capaz de tanta perspicácia, criatividade e arte no sufoco de uma disputa. Como é capaz de encontrar espaço onde não o vemos, para infiltrar-se com a bola nos pés e finalizar com um chute indefensável.

Claro, não vi Pelé jogar ao vivo, em 1958. Nem em 1970. Os jogos ainda não eram transmitidos ao vivo. Vi Pelé brilhar ao vivo no Santos, que nunca mais foi o mesmo depois dele.

Os heróis do futebol contemporâneo, cheio de técnica, diagramas, estratégias, se destacam mesmo é por suas jogadas individuais. Sempre que vejo um deles, eu penso que devem ter passado horas estudando os jogos gravados de Pelé. E, tocados pelo assombro, se perguntarem a se desafiar, como ele conseguia fazer isso?

Não era uma seleção qualquer, a de 1958. Tinha Djalma Santos, Garrincha, Didi, Vavá e Zagalo. Mas, foi a copa do menino Pelé. Virou celebridade mundial. Nossa nostalgia monárquica, logo o coroou. Tornou-se o rei Pelé. E rei sem sucessor.

Em 1962, todos tínhamos certeza do bicampeonato, porque tínhamos Pelé. Mas, não o tivemos. Ele foi afastado por uma contusão no segundo jogo. Foi a Copa de Garrinha, que jogou por ele e por Pelé.

No tri, em 1970, tivemos Pelé e um time de primeira. Toda a linha de ataque sabia chegar ao gol. Pelé, deixou quatro, sem defesa. Jairzinho, 7. Rivelino, 3. Tostão, 2. Ainda marcaram Gérson, Carlos Alberto e Clodoaldo. O técnico era o craque Zagallo. Pelé foi brilhante e generoso. Jarizinho sobrou em gols. Era uma equipe montada por João Saldanha e que teve a sincronia final na batuta de Zagallo, então com 38 anos. A ditadura tentou sequestrar a seleção. Demitiu João Saldanha, substituído por Zagallo, que não se deixou enredar.

Pelé não virou uma celebridade mitológica global por causa do número de gols marcados. Mais do que a quantidade, contou a qualidade. Ele se tornou gigante e rei, pela genialidade dos gols que fez, das jogadas sem gol e pelos gols que não fez. Como aquela tentativa de gol por cobertura, na Copa de 70. Pelé tentou encobrir o goleiro Ivo Vikto, da Tchecoslováquia, ao percebê-lo muito adiantado. Chutou de uma distância de 60 metros, a mais de 100 quilômetros por hora. A bola se perdeu pela linha de fundo, mas estava inventado o gol por cobertura, que fez a glória de muitos jogadores mundo afora e ensinou aos goleiros a terem mais cuidado ao se distanciarem das traves.

Pelé era completo, antes de existirem os treinos técnicos. Seus gols de cabeça eram espetaculares. Chutava e balançava as redes adversárias com os dois pés. Seu drible era rápido e surpreendente. Pelé é um caso para todo jogador se inspirar, estudar e aprender.

Pelé exibe a taça Jules Rimet, na Champs Elysees, em abril de 1971. Foto: FIFA
Pelé exibe a taça Jules Rimet na Champs Elysees de Paris em abril de 1971. Foto: FIFA

Por isso, dificilmente será igualado ou superado. Ele não perseguia recordes. Ele inventava uma nova maneira de jogar futebol. Há gênios em cada atividade humana que deixam um legado e se tornam insuperáveis e imortais. Bach, um virtuoso no cravo e no violino, como Pelé era um virtuoso com os pés e as cabeças. Peças como “O Cravo bem temperado” de Bach se tornaram didáticas e grandes organistas e pianistas estudaram por meio delas, inclusive Betehoven. Do mesmo modo, gols e jogadas de Pelé, inclusive seu celebrado não-gol, de Pelé, são para os jovens jogadores estudarem e tentar reproduzir com a mesma qualidade. Ainda está para surgir aquele que conseguirá igualá-lo.

Pelé, a pessoa, deixará saudades, principalmente na família e nos amigos chegados. Para o Brasil e o mundo, ele já é imortal desde os 17 anos, na Copa do Mundo que foi sua. Assisti aos jogos do Brasil na Copa de 2022, vestindo a camisa azul da Copa de 1958, para celebrar o grande mestre do futebol mundial.

* Sérgio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor. É autor de “Presidencialismo de coalizão”.

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