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Análise – A cúpula do clima em ano de eventos extremos

A COP 28 começa com um misto de expectativa otimista e pessimismo sobre suas possibilidades. Se chegar a decisões pelo mínimo comum, deixará o mundo diante do perigo de irreversibilidade da destruição de parte importante da biosfera

Sérgio Abranches, para Headline Ideias
#INTERNACIONAL29 de nov. de 237 min de leitura
#ShowYourStripes, projeto do cientista Ed Hawkins, da University of Reading, no Reino Unido, revela o aumento anual da temperatura no Brasil entre 1911 e 2022.
Sérgio Abranches, para Headline Ideias29 de nov. de 237 min de leitura

Há grande expectativa na União Europeia e nas Américas para a COP28, a cúpula anual do clima, que terá início nessa quinta-feira, 30 de novembro. Seriam justificadas? Há algumas razões para expectativas positivas. O governo de Joe Biden nos Estados Unidos tem uma agenda climática ambiciosa. Governos estaduais americanos, com a Califórnia na vanguarda, têm tomado medidas fortes de substituição de fontes energéticas, tetos de emissões e eletrificação das frotas automotivas. Vários países da União Europeia estão avançando aceleradamente na transição energética.

Vale lembrar que Biden marcou, em 2021, na COP26, o fim do negacionismo de Trump e foi além da agenda climática de Barack Obama. Mas realizou pouco, bloqueado pelo Congresso com maioria Republicana de extrema direita. Do mesmo modo, Lula marcou na COP 27, no Egito, o fim do negacionismo de Bolsonaro.

Paradoxalmente há, também, muito ceticismo em relação aos resultados. Seria justificado? Há razões para cautela quanto ao alcance das decisões que sairão da cúpula. O sistema decisório, cujo critério é a unanimidade, propicia impasses e decisões pelo mínimo comum, reduzindo drasticamente a ambição das metas e dos compromissos. Amplifica o poder de veto de países que dependem do petróleo e do carvão.

Todos os envolvidos se lembram das frustrações da COP15, em Copenhague, em 2009. Um pequeno grupo de países periféricos vetou a aprovação do acordo negociado pessoalmente pelos chefes de governo, entre eles Barack Obama e Lula da Silva, como contei em meu livro Copenhague Antes e depois. A pandemia deixou sequelas nas cadeias de suprimento, agravadas pela invasão da Ucrânia e pelo conflito entre Israel e Hamas, que levaram à retomada de energia fóssil.

Lula, à frente da volta do Brasil ao papel de player global, terá como principal força da comitiva brasileira, pelo segundo ano, a ministra Marina Silva. A credibilidade da ministra a qualifica como liderança nas negociações de alcance global.

O negociador diplomático, André Aranha Corrêa do Lago, da aristocracia do Itamaraty, tem experiência em COPs e comprometimento com a questão climática. É um profissional da diplomacia, qualificado para, ao lado de Marina Silva, restaurar o papel de liderança do Brasil na cúpula do clima e a confiança dos países parceiros.

Para fechar o bom momento do Brasil, o presidente Lula está liderando a reentrada do Brasil no campo da diplomacia do clima, pessoalmente empenhado em mostrar que sua agenda clima-ambiente é para valer. Com seu notório prestígio internacional, sua presença fará muita diferença pelo que vale por si e na comparação com as vexaminosas aparições internacionais de Bolsonaro.

A agenda da COP28 é ambiciosa e a que o Brasil levará, também. Estão nela a aceleração dos planos de transição energética e a redução mais significativa de emissões, antes de 2030. Também é parte da pauta de discussões a mudança no padrão de financiamento do clima cumprindo o que não se cumpriu e desenhando um marco para um novo acordo sobre financiamento de ações de mitigação e adaptação para os países em desenvolvimento e de baixa renda.

Será concluído nesta COP o primeiro balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris. O balanço é realizado em dois anos e começou na COP27, no ano passado. Os resultados não serão animadores. Ao contrário, mostrarão retrocesso e uma tendência muito perigosa. Estamos em rota de colapso de boa parte da biosfera com a aceleração do aquecimento global.

Na agenda sobre finanças do clima, o Brasil apresentará proposta de novo mecanismo de captação de recursos para proteção de florestas tropicais. São 80 países no mundo com florestas tropicais.

A ministra Marina Silva disse, em entrevista que “o mundo precisa entender os serviços das florestas e investir na proteção delas. O presidente Lula está levando uma proposta de um mecanismo global para financiamento de florestas, pagando por cada hectare de floresta preservada ou de floresta restaurada com floresta nativa. Ele deve gerar recursos robustos.”

Vista aérea de 29 de maio de 2019 mostra um campo agrícola ao lado de um cerrado nativo (região de savana) em Formosa do Rio Preto, oeste do estado da Bahia. Foto: Nelson Almeida/AFP

Não será a primeira vez que o Brasil estará à frente de iniciativas de finanças do clima. Na Rio 92, sua proposta para o mecanismo de desenvolvimento limpo e a dos EUA foram combinadas para dar origem ao dispositivo efetivamente adotado, no contexto do Protocolo de Kyoto.

Na COP13 in Bali, 2007, o modelo de financiamento por desmatamento já evitado, se transformou no mecanismo no quadro do dispositivo REDD+, que permitiu a criação do Fundo Amazônia.

Pela história, o Brasil tem boa chance de emplacar mais este esquema de financiamento para preservação das florestas.

No plano nacional, porém, Lula não tem força política suficiente para implementar a sua agenda climática e bloquear a agenda negacionista e de retrocesso dos ruralistas e dos setores de extrema-direita eleitos na onda decrescente de votos a favor de Bolsonaro.

O Congresso tem aprovado medidas na contramão de qualquer política climática minimamente consequente. Acaba de aprovar a Lei dos Agrotóxicos, melhor conhecida como lei do veneno, impulsionada pela maioria ruralista. Ameaça derrubar os vetos de Lula aos piores artigos do projeto sobre marco temporal para demarcação de terras indígenas. Finge ter uma “pauta verde”, mas é concretamente um congresso majoritariamente fóssil.

São muitos os problemas a rondar a COP28. Há certa hipocrisia em boa parte das lideranças políticas e empresariais envolvidas na política nacional e global do clima. Adotam um discurso de ambição e urgência, mas suas práticas não apenas continuam fósseis, como têm na agenda aumentar o uso e a exploração de fontes fósseis.

Um exemplo gritante, no Brasil, é o da Petrobras, que se propõe a liderar a transição energética no país, mas tem um orçamento insuficiente para investir em fontes limpas e como prioridade absoluta explorar petróleo no mar da Amazônia.

Com raras exceções, os países não fazem o esforço necessário para reduzir na medida necessária, que é alta, o uso de petróleo e continuam a expandir o seu uso.

O negacionismo voltou a assombrar as COPs com os avanços da extrema direita no Ocidente. Notórios negacionistas, que apregoam ter formação científica, estão ressurgindo das cinzas de carvão e óleo espalhadas pelo mundo. Eles sempre atuaram a soldo de empresas do setor de energia fóssil.

Voltaram, recentemente, a rebater as evidências coletadas pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática. São os mesmos que produziram danoso e infrutífero escândalo às vésperas da COP 15. Contei este episódio no livro sobre a COP 15, em Copenhague, em 2009.

Nas últimas semanas, no X, antigo Twitter, andaram trocando farpas com o cientista do clima Michael Mann, autor do gráfico icônico conhecido como taco de hóquei, e que foi a principal vítima dos ataques de 2009.

Em resumo, há muita chance de que os acordos na COP28 saiam na undécima hora, bastante apequenados pela regra do mínimo decisor comum. A chave de um acordo estará, como em Copenhague, na possibilidade de entendimento entre os Estados Unidos e a China. O resultado final dependerá da diplomacia do clima conseguir evitar vetos de atores recalcitrantes, entre os quais está a Rússia. A Arábia Saudita, contumaz agente de veto, talvez se comporte desta vez, porque os hóspedes são os Emirados Árabes. Se não conseguirem ultrapassar os obstáculos, é provável que muitos impasses sejam transferidos para a COP29, no ano que vem.

Se assim for, os dirigentes estarão procrastinando decisões, enquanto o mundo entra em outro patamar de aquecimento médio global e eventos climáticos extremos. Este ano subimos um degrau nesta direção.

Um patamar que aponta para a possibilidade de anteciparmos para entre 2030 e 2035 marcas de aquecimento médio global que inviabilizariam as metas, já modestas, do Acordo de Paris e concretizariam o perigo de redução progressiva e acelerada do território habitável do planeta.

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